Nova MP altera regras para desconsideração da personalidade jurídica

Assinada em 30 de abril de 2019, a Medida Provisória nº 881, conhecida como MP da Liberdade Econômica, alterou significativamente normas que ordenam as articulações negociais privadas e a ação estatal e judicial sobre essas tratativas. Em suma, conforme salientou Rodrigo Leonardo e Otavio Luiz Rodrigues Junior, no portal Conjur, a MP em voga redefiniu a atuação do Estado como agente normativo e regulador da atividade econômica (lato sensu), promoveu a diminuição do caráter intervencionista de algumas regras e princípios do Direito Civil e salientou inovações destinadas a dar fluidez ao trânsito de riquezas.

Nessa primeira matéria da série, será abordada a mudança na aplicação do incidente de desconsideração da personalidade jurídica, uma substancial mudança que afeta a separação patrimonial existente entre pessoa jurídica e seus sócios e administradores.

Desconsideração da personalidade jurídica: contexto e aplicação com a nova MP

Para efeito de desconsideração da personalidade jurídica em ações contrárias às pessoas jurídicas, a incidência desse instituto guiava-se, antes da Medida Provisória, segundo os precedentes estabelecidos pelos tribunais superiores. O novo texto, por sua vez, institui condições mais claras para que os sócios e administradores possam, eventualmente, responder pelas obrigações da pessoa jurídica. Em suma, a MP nº 881 confere aos tribunais e aos litigantes maior segurança jurídica no que diz respeito ao conceitos de confusão patrimonial e desvio de finalidade, até então não esmiuçados no Código Civil de 2002.

No texto até então vigente do Código Civil, em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, aplicava-se a desconsideração para que obrigações outrora restritas exclusivamente às pessoas jurídicas fosse estendidas aos bens particulares dos administradores ou sócios beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. O art. 50, entretanto, não descrevia com maior clareza as ocasiões nas quais os agentes incorriam nessa ilegalidade, o que relegou à jurisprudência compilar situações passíveis da aplicação do incidente.

Apesar disso, embora o Superior Tribunal de Justiça já tenha estabelecido, por exemplo, que a mera existência de um grupo econômico não implica no automático redirecionamento da dívida tributária ou civil, instâncias inferiores vinham decidindo de modo contraditório em casos concretos.

Nesse contexto econômico-jurídico, a MP nº 881 modificou o dispositivo em voga e estabeleceu que a extensão da responsabilidade patrimonial pela desconsideração da personalidade jurídica somente poderá atingir os bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso. No parágrafo segundo do aludido artigo estabeleceu-se, de forma clara, no que consiste “confusão patrimonial”, aludindo a (I) cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa, (II) transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto o de valor proporcionalmente insignificante e (III) outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Além da especificação do conceito, a MP preocupou-se em determinar do que se trata “desvio de finalidade”. No seu texto, explicita que a utilização dolosa da pessoa jurídica com propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza é a hipótese admitida para a aplicação da desconsideração nesse caso. Por fim, ainda positivou na norma o precedente já estabelecido pelo STJ no que diz respeito aos grupos econômicos.

Importante destacar que não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou alteração da finalidade original da atividade econômica da empresa, admitindo, portanto, a mudança no caráter de atuação das companhias. Na matéria seguinte, o escritório Carvalho e Fonseca pontuará outras alterações instituídas pela Medida Provisória nº 881.