MP 881 e suas consequências na ordem econômica

Conforme demonstrado no nosso artigo anterior, intitulado “Nova MP altera regras para desconsideração da personalidade jurídica”, a Medida Provisória nº 881/2019 incide diretamente sobre dispositivos do Código Civil, da Lei de Sociedades Anônimas e de outros diplomas que legislam sobre o empreendedorismo nacional.

Organizada em cinco capítulos, dentre as alterações promovidas pela Declaração de Direitos da Liberdade Econômica – conforme assim é denominada no seu preâmbulo –, acentua-se, nesta ocasião, as principais no que concerne à organização e exercício da atividade empresarial.

MP 881 e a Constituição Federal

Antes de discorrer sobre as mudanças específicas, carece destacar que os direitos econômicos, em seu âmbito geral, são resguardados pela Constituição Federal. No art. 170 da Carta Magna estão assegurados os princípios da ordem econômica, sendo ela fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. No parágrafo único desse dispositivo, assinala-se a independência da dinâmica mercadológica no que tange ao poder público, ou, melhor dizendo: “é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.

A relevância de tal adendo reside no norteamento da Medida Provisória 881 segundo os princípios da livre iniciativa, constitucionalmente resguardados. Em níveis práticos, a MP retira do Estado ingerência sobre as relações privadas de mercado, em atinência ao que apregoa a Constituição Federal.

Alteração nos contratos

Em atenção à livre iniciativa e desburocratização das negociações, a MP 881 reafirmou a força obrigatória dos contratos, ou, em outros termos, ratificou o que é conhecido como pacta sunt servanda. Em suma, trata-se de conferir vigor às tratativas particulares, sem minar a função social do contrato, entabulada no art. 421 do Código Civil.

Desta feita, com a edição da Medida Provisória, a função social do contrato orienta-se segundo a liberdade de contratar no exercício da atividade econômica. Nos incisos V e VIII do artigo 3º da MP 881, estabelece-se que esses instrumentos gozam de presunção de boa fé, garantindo-se aos negócios jurídicos empresariais que se firme sob a livre estipulação das partes pactuantes. Neste diapasão, relega-se ao direito empresarial, em concorrência com a vontade das partes, a função subsidiária.

Tal postura pode ser traduzida pelo art. 480-B, onde está previsto que, nas relações interempresariais, deve-se presumir a simetria dos contratantes e observar-se a alocação de riscos por eles definida.

De maneira sucinta, a MP da Liberdade Econômica conferiu maior preponderância ao que houver sido avençado em contrato. Respeitando-se os direitos tutelados, os pactos firmados entre empresas privadas sobressaem-se sobre a ingerência do público. No art. 421 do Código Civil, ao introduzir parágrafo único sobre o assunto, a MP determinou o princípio da intervenção mínima do Estado em matéria contratual e definiu, conforme destacou Eduardo Tomasevicius Filho, no portal Conjur, que “a revisão contratual se dará apenas em caráter excepcional”.

Sociedade limitada unipessoal

Localizada no parágrafo único, no art. 1.052 do Código Civil, a MP 881 incluiu a sociedade limitada unipessoal. Conforme destacado no dispositivo citado, essa modalidade pode ser constituída por uma ou mais pessoas, hipótese em que se aplicarão ao documento de constituição do sócio único, no que couber, as disposições sobre o contrato social.

Em termos práticos, o objetivo da Medida Provisória em voga resume-se a viabilizar a atividade empresarial individual, atribuindo-lhe um limitante de responsabilidade. Além disso, de acordo com Maurício Andere Von Bruck Lacerda, ao portal Migalhas, a nova norma afasta, também “a necessidade de constituição de sociedades empresárias limitadas pro forma”.

Âmbito fiscal e processual

A MP 881 estabelece não mais haver limite estabelecido em lei para que a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional arquive autos de execuções fiscais de débitos inscritos em Dívida Ativa da União. Ou seja, o teto de R$ 10.000,00 deixa de vigorar a partir da vigência da nova MP e o valor será estabelecido em ato da PGFN.

Além disso, a Declaração dispensa o órgão acima citado de atuar processualmente, como contestar, contrarrazoar e interpor recursos, em casos específicos elencados no texto, e a PGFN poderá desistir de recursos interpostos, uma vez que o benefício patrimonial almejado com o ato não atender aos critérios de racionalidade, de economicidade e de eficiência.

Sob um prisma geral, a Medida Provisória nº 881/2019 versa sobre a ordem econômica, sob um viés menos intervencionista do ponto de vista estatal. Objetiva, portanto, desburocratizar as relações interempresariais e sobrepor ao Estado as vontades das partes, a diferenciação patrimonial e a economia processual de órgãos públicos.