Nos últimos dias, o mercado financeiro se viu apreensivo com a iminente falência da gigante imobiliária chinesa Evergrande. Com um passivo estimado em mais de US$ 300 bilhões, a incorporadora gerou impacto nas bolsas do mundo todo ao anunciar que seria incapaz de honrar suas obrigações financeiras vencidas no dia 23. Segundo a Bloomberg, o passivo se divide entre bônus e empréstimos, que somam US$ 87 bilhões, mais juros.
O risco de insolvência caiu como um torpedo sobre o mercado financeiro, que imediatamente reagiu derrubando os pregões e vendendo as ações da empresa, papeis esses que fecharam em forte baixa no último dia 20 de setembro, com uma desvalorização de -10% em Hong Kong.
Contexto atual
A Evergrande foi fundada na década de 1990 e se beneficiou de um crescimento urbanístico extremamente acelerado, porém às custas de um grande endividamento. Trata-se do grupo imobiliário mais endividado do mundo e da segunda maior companhia de construção civil da China. Cerca de 1,4 milhões de imóveis estão para ser entregues, o que contribuiu para a desconfiança dos clientes, fornecedores e investidores, temerosos da capacidade da incorporadora de honrar com o que fora contratado.
Visando acalmar o mercado, a empresa recrutou especialistas para tentar evitar o colapso e, de acordo com a Bloomberg, os reguladores estaduais chineses também enviaram uma equipe de assessores para ajudar o grupo. O diretor de pesquisa macroeconômica do Banco Asiático de Desenvolvimento, Abdul Abiad, ressaltou que “as reservas de capital do sistema bancário da China são suficientemente fortes para absorver o impacto, inclusive do tamanho da Evergrande, caso isso aconteça”.
Paralelo com o caso Lehman Brothers
A retração do mercado se deve ao panorama geral da Evergrande, mas também à boa memória dos investidores quanto ao que ocorreu no caso Lehman Brothers. A sua falência, em 2008, se tornou um momento cabal para a crise financeira que se sucedeu e atingiu toda a economia global. Em suma, o rompimento da bolha de hipotecas estadunidense levou à bancarrota o banco, que, em uma espécie de efeito dominó, espalhou a recessão por outros sistemas.
Conforme ressaltou Ricardo Bomfim, em artigo publicado na InfoMoney, embora haja semelhanças, dentre elas a envergadura da empresa e sua capacidade de contagiar outras companhias, analistas consideram o que destacou Abdul Abiad: “as particularidades da China e seu sistema imobiliário tornam improvável que esse evento cause uma crise do tamanho da que se viu no final da primeira década do século XXI”. Além disso, o cofundador da Gavekal, Louis-Vicent Gave, ponderou que o crescimento chinês irá decepcionar, mas isso não sinaliza uma implosão.
Outro ponto que se distancia do colapso total é a importância do setor imobiliário para a economia chinesa, que representa aproximadamente 25% do setor. Ou seja, não é tarefa simples para o governo ignorar a situação da incorporadora, o que, aí sim, levaria a um “momento Lehman”, conforme salientou Arthur Kroeber, sócio e fundador da Gavekal Dragonomics.
Para o professor Roberto Dumas Damas, da Insper, o caso Evergrande se afasta do caso Lehman na medida em que se acredita que o governo certamente atuará para evitar uma quebra da incorporadora, que emprega mais de 200 mil trabalhadores diretos e 3,8 milhões de indiretos por ano durante a fase dos projetos, com mais de 1.300 empreendimentos ainda não entregues, principalmente em cidades de baixa renda. Em outras palavras, a ruína desassistida da Evergrande é improvável pois representaria, com ela, uma ameaça profunda a um sistema que, por sua vez, tem capacidade de amortecer essa queda. Dumas, portanto, entende que esse sistema será preservado e que “algum custo será imposto a alguns players, mas longe de ser um problema semelhante ao da subprime de 2008”.
Passos recentes
Diante da alta pressão do mercado, a Evergrande anunciou hoje, dia 22, um acordo com um credor local para evitar o default. Em comunicado à Bolsa de Valores de Shenzhen, sua subsidiária Hengda afirmou ter negociado um plano para pagar um título com vencimento na quinta-feira, estimado em US$ 35,9 milhões, segundo a Bloomberg.
O breve alívio, porém, não supre a necessidade de que planos mais amplos de reestruturação sejam traçados. Somente assim a confiança se transformará em algo mais significativo para o mercado, conforme declarou à agência Bloomberg Gary Dugan, chefe executivo da Global CIO Office.