Sócio William Carvalho comenta decisão que ratifica a modalidade stalking horse como meio legítimo de negociação de bens na recuperação judicial

Em recente decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), firmou-se um importante precedente na utilização da modalidade de negociação chamada stalking horse. Esse estilo de negociação, em resumo, consiste em conceder uma espécie de autorização, ao terceiro interessado, em fazer uma oferta de compra dos bens à empresa insolvente, antes do leilão, assemelhando-se a uma promessa de compra e venda.

Características do modelo de negociação

Comumente utilizada em operações de grande complexidade e de cifras vultuosas, o stalking horse foi importado do ordenamento norte-americano e, conforme ressaltado pelo portal FCR Law News, ganhou notabilidade no Brasil com a venda dos ativos do Grupo Oi, em 2020, em uma operação que somou mais de R$ 15 bilhões. No entanto, o stalking horse já possuía registros anteriores em outros casos de empresas insolventes, como no processo envolvendo a Livraria Cultura.

A modalidade stalking horse permite ao devedor, antes do leilão, assegurar a venda do bem por aquela oferta inicial. Trata-se, portanto, do recebimento de uma oferta garantidora, que viabilizará um planejamento mais concreto quanto à recuperação da empresa e/ou pagamento das dívidas, já que se garante um aporte financeiro mínimo. O stalking horse – ou “cavalo de perseguição” –, portanto, é um acordo prévio que não inviabiliza o leilão, apenas o baliza, quando de sua realização, por aquele preço-base oferecido.

Além do escopo primordial oferecido pelo stalking horse – qual seja, a preferência na compra do bem – esse modelo de negociação admite condições especiais para as partes, em caso de futura venda para outro comprador que o tenha arrematado por valor superior. Uma delas, a cláusula break-up fee, consiste em uma prerrogativa dada ao comprador do contrato de stalking horse que lhe assegura o ressarcimento pelo valor pago na avaliação do ativo. Dessa forma, o stalking horse não só garante a entrada de recursos para a empresa insolvente e dá ao comprador a condição inicial para a compra, como também permite discussões acerca das diligências necessárias para vendê-lo. Outra vantagem diz respeito à garantia de prevalência, em caso de ofertas iguais no leilão, daquela feita pela parte que tem cláusula de preferência no stalking horse.

Detalhes da decisão

O TJSP ratificou a inexistência de irregularidades na modalidade stalking horse sob o argumento de que “a estratégia de possuir um interessado com proposta vinculante, além de garantir a alienação do bem, permite que um preço-base, de interesse para a recuperanda e para a coletividade dos credores, seja fixado, o que pode não ocorrer em praceamentos tradicionais”. O relator Franco de Godoi ainda acrescentou que o formato atende o princípio do soerguimento da recuperanda.

A empresa, falida ou em estado de recuperação judicial, mantém preservada a sua importância para a coletividade. Dessa forma, dentro dos limites da lei, são válidos e estimulados os esforços para soerguê-la e preservar a sua função social, viabilizando a liquidação de suas pendências e fomentando, quando possível, seu funcionamento. Dentro dos princípios que norteiam o instituto da recuperação judicial, o stalking horse enquadra-se como uma ferramenta a contribuir para o restabelecimento da recuperanda, ao garantir-lhe a venda de ativos por, no mínimo, um valor base acordado ,que a permitirá cumprir com seus acordos. O stalking horse dá à recuperanda a possibilidade de estruturar seu plano de recuperação tendo como norte valores reais mínimos, de mercado.

No caso em discussão, a autora do recurso processou a recuperanda por ter vendido o bem a um terceiro que ofereceu o mesmo valor da sua oferta, e teve a preferência de arrematá-lo por ter avençado, anteriormente, contrato de stalking horse. Ao entrar na justiça, a parte autora questionou a validade da modalidade e o direito de preferência, o que foi rejeitado pelo TJSP, fixando-se um importante precedente nas negociações desta natureza.

Devido à especificidade da discussão pacificada no acórdão, a decisão firma uma jurisprudência essencial nas bases da aplicação do stalking horse, sob o processo nº 2230472-34.2021.8.26.0000.