Sócia Fabiana Fonseca comenta decisão do STJ que desobriga sociedades limitadas de grande porte de publicarem demonstrativos financeiros

Em recente jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça estabeleceu importante precedente quanto à desobrigação de grandes empresas, organizadas como sociedades limitadas, de publicarem seus demonstrativos financeiros. A 3ª Turma da corte reformou decisão anterior, que condicionou o arquivamento dos documentos à publicação no Diário Oficial da União ou veículo de grande circulação, sob argumento central da relevância do porte das demandantes, acolhendo pedido do presidente da Junta Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

O que determina a lei e sua reafirmação pela jurisprudência

No seu voto, o relator do recurso especial, ministro Moura Ribeiro, destacou que a Lei 11.638/2007, em seu artigo 3º, não trouxe a obrigação de publicação das demonstrações financeiras de sociedades limitadas como uma das preocupações dos legisladores. Não bastasse, para o ministro, “houve um silêncio intencional do legislador para excluir a obrigatoriedade de as empresas de grande porte fazerem publicar suas demonstrações contábeis”.

O magistrado fez questão de enfatizar, nos autos do processo, o trâmite do projeto de lei até a promulgação do dispositivo em voga, quando, naquela oportunidade, havia proposta de texto que expressava a obrigatoriedade de publicação, trecho esse que foi subtraído do texto aprovado. Dessa forma, o tribunal firmou jurisprudência robusta apoiada na meticulosidade do legislador não só de desobrigar as sociedades limitadas da publicação, bem como de retirar da lei qualquer dever nesse sentido, uma vez que, após amplo debate, não há como inferir que a ausência do dever de publicação “passou despercebido pelos parlamentares”, competindo, então, ao judiciário, retificar o ordenamento por meio da hermenêutica. Nesse ponto, aliás, cumpre aqui ressaltar que um dos desdobramentos possíveis diz respeito aos limites da interpretação dos tribunais. Afinal, a postura da Junta Comercial de negar o arquivamento dos atos societários das empresas demandantes é, essencialmente, ato ilegal, quando o argumento para tanto se baseia na inexistência de publicação. Assim, ao Poder Judiciário somente cabe reverter a decisão e desfazer o excesso.

Desfecho do caso

O artigo 3º, que serviu de base para a confecção do acórdão, apregoa que, às sociedades de grande porte, aplica-se a obrigatoriedade de escrituração e elaboração de demonstrações financeiras, assim como a obrigatoriedade de auditoria feita por auditor registrado na Comissão de Valores Mobiliários. Esse artigo, sob a luz da interpretação do STJ, é cristalino quanto ao que compete, por lei, à sociedade limitada, não fazendo parte do escopo a publicação dos resultados, seja no Diário Oficial da União, seja em jornal de grande circulação. Dessa forma, para o tribunal, somente leis podem criar obrigações às pessoas (físicas ou jurídicas) e, na ausência da respectiva determinação legal, “não há como obrigar as sociedades limitadas de grande porte a publicarem seus resultados”.

Para o STJ, transgredir a previsibilidade legal, ou seja, determinar às partes uma obrigação inexistente em lei, significaria ferir os princípios da legalidade ou da reserva legal, “compreendidos como base do Estado Democrático de Direito”.

A 3ª Turma, por unanimidade, acompanhou o voto do relator e deu provimento ao recurso especial.