Sócia Fabiana Fonseca comenta decisão do STF que modula os efeitos da transferência de crédito de ICMS entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica resultante do deslocamento de mercadorias

No último dia 19, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a possibilidade de cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. A decisão, conforme ressaltou o site da corte, modulou os efeitos do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, realizado em 2021, e necessariamente declara a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), que permitia a realização da cobrança.

Origens da discussão

A Lei Kandir, promulgada em 13 de setembro de 1996, guarda em seu bojo dispositivo de exaustiva discussão acerca do assunto ora tratado. Em seu primeiro artigo, a lei atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a instituição do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. O imbróglio a respeito da cobrança de ICMS no presente caso surgiu quando, em 2021, o STF firmou precedente de que o tributo não poderia ser cobrado sobre o envio de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa que se encontrem em estados diferentes – ainda que os estados possuíssem autonomia legal para divergirem sobre a cobrança ou não da mercadoria que nele entrasse ou saísse.

Com a isenção e consequente acúmulo de créditos, inaugurou-se a discussão sobre a possibilidade de transferência desses créditos para outros fins que não o abatimento nos débitos de ICMS interestadual. Sob esse argumento, empresas e entidades empresariais estavam atentas ao julgamento por considerarem que, ao se autorizar o redirecionamento do crédito, a atividade econômica em si seria o principal ponto beneficiado, ou seja, o empreendedorismo, diante da pacificação do assunto, poderia se valer de créditos para otimizar os inúmeros modelos de planejamento tributário que envolvem o transporte interestadual de mercadorias.

Fundamentos da decisão

Para o relator do caso, ministro Edson Fachin, ao se decidir sobre o assunto era preciso assegurar a “segurança jurídica na tributação e equilíbrio do federalismo fiscal”. Segundo suas palavras, faz-se necessário preservar as operações praticadas sob o ordenamento e intepretações válidas, assim como proteger as “estruturas negociais concebidas pelos contribuintes, sobretudo em relação aos incentivos fiscais de ICMS”. Dessa forma, ao decidir pela validade da transferência de créditos, o relator apontou para o risco da revisão de incontáveis operações de transferências já realizadas e, precipuamente, realizadas conforme a legalidade.

Nessa esteira, a decisão da corte modulou os efeitos da autorização da transferência para, em busca de um ponto de equilíbrio entre a preservação da atividade econômica, a adequação tributária e a solidez jurídica, fazer valer a prática de transferência de créditos a partir do exercício financeiro de 2024.

O plenário da corte acompanhou, por unanimidade, o entendimento do ministro Fachin. Quanto à modulação pró-futuro, divergiu do relator o ministro Dias Toffoli. Por fim, importante destacar que o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado final em sessão presencial.