Impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade: correlação entre as cláusulas e autonomia

Como é sabido, a legislação brasileira permite que as pessoas gravem os bens cláusulas que os definem e limitam possibilidade de imposição de ônus e formas de negociação. Essas “marcações” que recaem sobre os bens visam dar às partes interessadas possibilidades de garantir o patrimônio mediante restrições que resguardam os bens de consequências negociais indesejadas.

Das definições

De forma sucinta, conforme esclareceu Adriano Ferriani, alienar é o mesmo que transferir o domínio. Trata-se, portanto, de gênero para espécies como vender (alienação a título oneroso) e doar (alienação a título gratuito), além de dação em pagamento etc.

Essa prerrogativa destina-se ao proprietário, que tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que, injustamente, a possua ou detenha (art. 1228, do Código Civil). Cabe ao dono se desfazer do bem ou não, sendo-lhe exclusiva essa tomada de decisão por qualquer via que seja, desde que legalmente admitida. Neste contexto, a cláusula de inalienabilidade visa excluir do proprietário o poder de alienar o bem. Gravado com a cláusula, o bem não poderá ser alienado, seja a que título for.

A impenhorabilidade assemelha-se à inalienabilidade quanto a ser um ato de vontade previsto em lei. Ao gravar o bem com essa restrição, o bem não poderá ser penhorado em eventual lítigio em que envolvido o seu proprietário, seja por iniciativa dele próprio, do credor ou do juízo. Essa cláusula, porém, não se aplica às dívidas tributárias, eis que o Estado possui a prerrogativa de não se sujeitar a este tipo de restrição imposto por manifestação de vontade.

Por fim, a incomunicabilidade é cláusula ligada ao regime de comunhão em função do casamento ou união estável. Esse gravame pode incidir pontualmente sobre determinado bem, independentemente do regime adotado para a união. Feito isso, o patrimônio por ela gravado não será atingido pela comunicação de bens prevista em quaisquer dos regimes de casamento ou união estável, impedindo-se que seja atingido por qualquer eventual litígio.

Independência e correlação entre as cláusulas

As três restrições acima listadas organizam-se entre si em dinâmicas que se implicam necessária ou facultativamente. Conforme observa-se no art. 833 do novo Código de Processo Civil, são impenhoráveis os bens inalienáveis. A incomunicabilidade também decorre da inalienabilidade, conforme salientou Ferriani, e isso necessariamente aloca o bem em um local particular do beneficiário da cláusula.

O Superior Tribunal de Justiça fixou tese em que determina ser possível a imposição autônoma das cláusulas de impenhorabilidade, inalienabilidade e incomunicabilidade. Não obstante, ainda assinalou a independência da impenhorabilidade no que diz respeito à incomunicabilidade, não sendo uma pressuposto da outra.

Em suma, a corte superiora entendeu que não há de se falar em inalienabilidade do imóvel gravado exclusivamente com as cláusulas de impenhorabilidade e incomunicabilidade. Em outras palavras, o grifo imprimido por essas duas últimas sobre o bem não o torna impassível de negociações de venda, doação ou qualquer outra modalidade que transfira o seu domínio.

Toda a controvérsia pairou sobre o caput do art. 1.911, do Código Civil, acima citado. A correlação das cláusulas foram analisadas sob duas interpretações cabíveis: restritiva ou extensiva, diante da nítida limitação ao pleno direito de propriedade. O Superior Tribunal de Justiça decidiu, então, que, partindo-se da simples leitura do artigo de lei, “depreende-se que o legislador estabeleceu apenas um comando, isto é, que a imposição da inalienabilidade presume a impenhorabilidade e incomunicabilidade. Em outras palavras, a lei civil não estabeleceu, prima facie, que a impenhorabilidade ou a incomunicabilidade, gravadas de forma autônoma, importaria na inalienabilidade”.

Firmada a jurisprudência acerca do assunto, elucidou-se que a alienação é instituto mais abrangente que os outros dois ora estudados e implica, portanto, na proibição de penhorar ou de comunicar. Dessa forma, as três restrições patrimoniais ora analisadas possuem escopos diversos e abrangências diferentes. Tratam-se de mecanismos autorizados àquele que detém a propriedade do bem, mas que exigem atenção quanto aos desdobramentos implícitos e à ingerência de um sobre o outro.