A possibilidade de transferência de acervo técnico na área de Engenharia

Em razão da carência de previsão legal acerca do tema, a transferência de acervo técnico na área de Engenharia não raro esbarra em decisões contraditórias e posições doutrinárias distintas. Dessa forma, a viabilidade ou não de tal questão se embasa na jurisprudência até então construída, assinalando diferentes caminhos conforme se apresenta o caso.

O que é acervo técnico?

A trajetória de uma empresa é marcada pelos seus feitos. Dessa forma, sua consolidação é precedida por esse histórico de realizações, somado ao aparato patrimonial da personalidade jurídica. Essa “ficha” onde constam as medidas adotadas, os contratos executados e os negócios finalizados consubstanciam-se no acervo técnico daquela organização, que, em suma, refletea sua capacidade técnica e operacional.

Cumpre destacar que essa expertise é documentada em atestados (de capacidade e profissional), que autorizam a empresa a competir em diversos processos de licitação, por exemplo. A ausência desses, inclusive, é critério de desclassificação ante a concorrentes com melhores qualificações, motivo pelo qual infere-se a importância do acervo técnico não somente para a construção da reputação, como também para viabilização dos contratos a serem realizados no presente.

Transferência de capacidade: características

É pacífico afirmar que as negociações entre empresas, como fusões, cisões e incorporações, implicam na reorganização patrimonial das partes. Tal explanação se complementa com o que decidiu o Tribunal de Contas da União, nos idos de 2012 (Acórdão 2.444), ao esclarecer que essas tratativas que envolvem a transferência de parcela do patrimônio de uma empresa para outra também ensejam a transmissão de “parcela significativa do conjunto subjetivo de variáveis que concorrem para a formação da cultura organizacional prevalecente”. Em suma, transações que têm como objeto a própria empresa abarcam o histórico técnico da envolvida, permitindo que, por força da capitalização também se adquira o acervo técnico que acompanha aquela razão social.

Apesar da escassez normativa acerca do assunto, é patente ao Conselho Federal de Engenharia quem detém, de modo efetivo, a capacidade técnico-profissional de uma pessoa jurídica. Para a entidade, a aptidão se traduz no “conjunto dos acervos técnicos dos profissionais integrantes”. Diante disso, parafraseando o acórdão acima citado, é de se presumir que a aquisição de uma organização, juntamente com o seu quadro técnico-profissional, implica na transmissão da especialidade em atuar naquela área.

Na esteira desse raciocínio, se é inconteste que os profissionais especializados atuantes detêm a representatividade do acervo técnico daquela empresa, ao ser adquirida ou incorporar-se a outra pessoa jurídica, aqueles executores passarão ao quadro da companhia reorganizada, sendo ela detentora de igual capacidade profissional.

Posições contrárias

Apesar de o Acórdão 2.444/2012 elucidar diversos pontos acerca da transferência de acervo – e autorizá-la, a doutrina e a jurisprudência admite posições contrárias ao procedimento.

Em passagem, Marçal Justen Filho, a respeito do assunto, defende que é juridicamente impossível estender a outras pessoas jurídicas autônomas a experiência obtida por uma determinada sociedade, sendo irrelevante a circunstância de integrarem todas um único conglomerado empresarial. Diante disso, o jurista apregoa serem nulas as cláusulas de cessão de acervo técnico de engenharia entre pessoas jurídicas.

No que tange à transferência de acervo técnico entre pessoa jurídica e pessoa física, o TCU foi taxativo ao diferenciar atestado de capacidade da empresa e atestado de capacidade técnico-profissional. Após a distinção, o Tribunal destacou inexistir fundamento para se aceitar a transferência em voga, pois “a capacitação técnico-operacional da empresa não se confunde com a capacitação do profissional”, concluindo que a presença do profissional nos seus quadros não assegura o sucesso da execução do serviço.

Doutrina e jurisprudência dissidentes apenas corroboram a ausência de regulamentação a respeito do assunto, o que exige que as operações realizadas com o objetivo de transferir acervo técnico sejam bem fundamentadas e estruturadas de modo a refletir a efetiva mudança do aspecto pessoal dos profissionais envolvidos subjacente ao acervo . Se as tratativas entre empresas não envolvem apenas os aspectos patrimoniais, há discussões acerca de quão aproveitáveis são os elementos subjetivos envolvidos na negociação, como capacidade, expertise e reputação, para fins de viabilização de atuação no mercado.