Incorporações envolvendo ações resgatáveis

A recente fusão entre Suzano Papel e Celulose e Fibra, estimada em R$ 80 bilhões e selada em setembro do ano passado, trouxe à tona os limites de incorporação de ações que se utilizam de ações resgatáveis.

Cumpre destacar, em sede de introdução, que os procedimentos de incorporação de ações consistem na transferência de todas as ações de uma companhia (incorporada) para a outra (incorporadora). Esse procedimento encontra-se previsto no art. 252 da Lei das Sociedades Anônimas (lei nº 6.404/76) e integra operações, como fusão e aquisição entre empresas.

Incorporações – como ocorrem e traços distintivos

Resumidamente, incorporações provocam a absorção dos títulos de uma companhia por outra. A partir daí, aos acionistas da incorporada são atribuídos novos papéis, correspondentes e proporcionais às frações que lhes cabiam na companhia em que eram acionistas, mas correspondentes, agora, à parcela do capital social da nova empresa. Eles se tornam, então, sócios da incorporadora.

Dito isso, qual a diferença da incorporação para uma oferta pública? A questão é que, nesta última, o minoritário tem o direito de vender suas ações, mas não é obrigado a fazê-lo. Na incorporação de ações, contudo, a operação de substituição dos papéis acontece independentemente da vontade do acionista minoritário. A imperiosidade da incorporação faz com que o modelo seja mais recorrente, pois ele não permite acionistas residuais da incorporada – e finaliza, portanto, as pendências com a base da companhia antecessora.

Incorporação com ações resgatáveis

A definição simples de incorporação não envolve a contraprestação em dinheiro, ao cabo do procedimento. Contudo, as ações resgatáveis introduzem a possibilidade de um pagamento em espécie ao acionista da incorporada. É essa a diferença principal desse modelo.

Ao optar pela incorporação nesses termos, a companhia incorporadora atribuirá aos sócios da incorporada ações passíveis de resgate, pagando por elas e posteriormente retirando-as definitivamente de circulação.

As incorporações mediante ações resgatáveis se respaldam na não obrigatoriedade de um sócio permanecer associado (art. 5º, inciso XX, da Constituição Federal). Nessa linha, a Lei das S.A’s., em seu art. 109, determina que “Nem o estatuto social nem a assembleia-geral poderão privar o acionista dos direitos de […] V – retirar-se da sociedade em casos previstos nesta Lei”. Em outras palavras, essa estratégia se autoriza ante ao direito do acionista da incorporada retirar-se da sociedade, sendo devidamente recompensado por essa escolha. Ou, segundo Marília Fuller, do periódico Capital Aberto, as PN’s (preferencial) resgatáveis serão “recompradas e pagas com dinheiro”, cabendo ao acionista o exercício do direito de desassociar-se.

Foi com essa base legal que a CVM decidiu pela possibilidade jurídica da operação feita entre a Suzano-Fibra.

Limites e abusos

Em teoria, as operações de fusão e aquisição devem respeitar os princípios de equidade e de conciliação de interesses. Nas incorporações que se valem de resgatáveis, o principal ponto recai sobre a carência de regulação direta e efetiva sobre a valoração desses papéis.

Embora o legislador tenha se atentado para os abusos ao definir, por exemplo, que haja um sorteio que não permita o resgate sobre a totalidade das ações de uma mesma classe, a legislação não versa sobre como precificar de forma justa os papeis resgatáveis, com o vínculo real ao valor da companhia.

Há empresas que prevêem em seu Estatuto Social critérios bem definidos sobre a fixação de valores. Nesses casos, a segurança jurídica e financeira em uma operação de resgate transparecem ao mercado. Entretanto, na carência dessa prévia valoração, não raro observa-se o desconforto dos investidores e a necessária interferência da CVM.

Embora os critérios legislativos e judiciários careçam de revisão, um dos principais problemas na detecção de abusos em incorporações reside na recusa da CVM em discutir valores. Segundo Mauro Cunha, em citação ao professor da Universidade de Columbia Robert Jackson, essa postura prejudica a análise da operação e a consequente elaboração de um laudo de avaliação correto.

Ações resgatáveis e direito societário

Conforme dito anteriormente, a legalidade dos papeis resgatáveis se funda no direito constitucional dos acionistas em não mais continuarem nesta condição – ocasião em que as ações resgatáveis proporcionam a eles uma compensação financeira pela sua fração e consequente retirada do papel de circulação. Entretanto, e quando o associado não deseja retirar-se por meio desse mecanismo de resgate?

O professor do Insper, Evandro Pontes definiu que “o direito societário funciona por equidade, não por igualdade. É impossível promover o mesmo resultado para acionistas em situações jurídicas diferentes, mas há como proporcionar a mesma oportunidade”. Ou seja, operações de expansão da companhia não se submetem ao apego “bizantino” à condição de sócio. A companhia se orienta no mercado segundo o que lhe é mais vantajoso e o corpo de sócios possui liberdade deliberativa para decidir.

Sob essa perspectiva, cabe aos órgãos responsáveis e ao legislador a evolução constante de métodos investigativos que assegurem as transações. A viabilidade de incorporações envolvendo ações resgatáveis já foi atestada pela CVM em casos concretos. Contudo, é indispensável que a forma se aperfeiçoe segundo os parâmetros legais e fiscalizatórios, em consonância com o direito societário e os interesses de expansão da empresa.