Golden shares: ações especiais se tornam trunfo na viabilização das privatizações

A equipe econômica do presidente eleito Jair Bolsonaro, encabeçada pelo superministro Paulo Guedes, deixou clara, desde o início da caminhada eleitoral, a intenção de privatizar boa parte das empresas estatais brasileiras. O plano de desestatização está estimado em R$ 700 bilhões, visa atingir cerca de 150 estatais e pretende viabilizar-se, nas frentes mais resistentes, com a possibilidade de controle trazida pelas golden shares – ações de detenção exclusiva do Estado e que dão a ele poder de decisão estratégica, por meio do veto.

Golden share: contexto histórico e caso brasileiro

As ações especiais foram criadas na Inglaterra durante a década de 1980. Naquela ocasião, as golden shares surgiram para que o Estado continuasse a influir sobre companhias repassadas à iniciativa privada, em razão de uma crise de financiamento ocorrida no Reino Unido.

O governo britânico, ao decidir privatizar as empresas estatais, resguardou-se para não abrir mão do controle. Para tanto, criou um mecanismo que lhe conferisse ingerência estratégica sobre a administração das companhias vendidas – as golden shares. Pouco tempo depois, diversos países aderiram às ações de ouro, ou ações douradas, inclusive o Brasil, que importou o modelo em 1990, durante a primeira onda de desestatização pós-ditadura militar.

Quadro atual: as ações especiais detidas pela União

Na atualidade, a União possui golden shares na Embraer (EMBR3), no Instituto de Resseguros do Brasil (IRB/IRBR3) e na Vale (VALE3). A influência em cada empresa varia, podendo abranger questões como a mera localização geográfica ou decisões mais importantes de negócio, como a alteração do objeto social. Isso depende do que dispuser o estatuto social previsto na criação da ação.

No que tange à Embraer, o governo detém uma golden share que lhe confere, entre outras questões, o poder de veto na criação ou alteração de programas militares. Portanto, nesse caso, a principal incidência da ação especial é sobre os projetos da companhia no âmbito da segurança nacional. No caso da IRB, a golden share permite ao governo direito de veto em caso de mudança do objeto social da empresa, definição de políticas de resseguros e na transferência de controle acionário que implique na perda de direitos que encontram-se sob o mesmo leque da ação dourada, entre outros. Por fim, na Vale o governo possui doze golden shares, que lhe permitem vetar um rol extenso de decisões, como a liquidação da empresa e alienação ou encerramento de etapas dos sistemas de exploração do minério de ferro. Além disso, esses papeis dão à União influência sobre os direitos atribuídos às demais espécies e classes de ações da mineradora, bem como os poderes conferidos pela própria golden share.

Golden shares: abrangência e o papel no processo de privatização

A Lei das Sociedades Anônimas (Lei n. 6.404/1976) autoriza que a golden share confira ao acionista qualquer direito, desde que esse poder esteja previamente determinado no estatuto social.

As golden shares, portanto, apresentam-se como um trunfo do Estado para convencer setores resistentes aos planos de privatização do novo governo, especialmente no Congresso Nacional, que deve aprovar ou não as decisões de venda. Em contrapartida, a especificação do poder destas ações deve escolher pontos relevantes ao Estado, e, por concentrar nas mãos do Estado algum controle sobre a companhia, podem desagradar o mercado financeiro e influir sobre o valor dos ativos.