Sócio William Carvalho comenta decisão paradigmática sobre o dever de revelação do árbitro como condição da validade da sentença arbitral

Em recente decisão da 2ª Vara Empresarial e Conflitos de Arbitragem do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), o magistrado Guilherme de Paula Nascente Nunes firmou importante precedente no que diz respeito ao direito arbitral e, mais especificamente, em como a revelação ou não de parcialidade do árbitro interfere na higidez da sentença arbitral. De acordo com a decisão, embora tenha reconhecido a violação do dever de revelação de possível conflito por parte do árbitro, a omissão não interferiu na sentença arbitral.

A jurisprudência inaugura um entendimento divergente de decisões recentes do próprio Tribunal, que, na 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, confirmou a nova tese.

O dever de revelação na lei

A Lei nº 9.307, de 23 de setembro de 1996, em seu artigo 14, determina que “estão impedidos de funcionar como árbitros as pessoas que tenham, com as partes ou com o litígio que lhes for submetido, algumas das relações que caracterizam os casos de impedimento ou suspeição de juízes”. O dispositivo acrescenta que, verificados esses casos, serão aplicadas, no que couber, os mesmos deveres e responsabilidades previstos no Código de Processo Civil.

O dever de revelação do árbitro está abordado, mais especificamente, no § 1ºdo artigo supracitado, em que se determina ao árbitro a obrigação de informar, antes da aceitação da função, qualquer fato que denote dúvida justificada quanto à sua imparcialidade e independência. A não revelação poderá ensejar ação anulatória no Poder Judiciário, por vício de forma.

Argumentos da decisão pela manutenção da sentença

Diante do que determina a lei, o magistrado – posteriormente respaldado pelo TJSP – destacou seu argumento central ao não acatar o pedido de anulação pelo seguinte entendimento: o ato de não revelar possível parcialidade do árbitro não pode ser subentendido como impropriedade do árbitro para julgar a lide. Nas palavras do juiz, apesar do estabelecido em lei, “não é mandatório rever a deliberação do tribunal arbitral diante de uma violação de revelação”.

Assim, o Poder Judiciário denegou o pedido da ação anulatória ajuizada pela parte.

De acordo com a disruptiva jurisprudência, o reconhecimento da ausência de revelação não implica, necessariamente, no reconhecimento da ausência de imparcialidade do árbitro, razão pela qual não é possível considerar maculada a decisão arbitral. Como não há a automática transformação na lei, em que a não revelação resulta em parcialidade, não há que se falar em anulação após a análise do caso das provas e razões apresentadas pela parte.

Além do ponto central da decisão de primeira instância, o TJSP ressaltou que o pedido de anulação baseado na não revelação foi tardio, não tendo sido ele apresentado no momento oportuno dado às partes para impugnar os árbitros considerados inadequados. Conforme destacado pelo portal Jota Info, no caso em questão, as partes não identificaram problemas e não impugnaram no momento inicial. O procedimento seguiu e, somente após a sentença em desfavor, a parte sucumbente alegou o conflito.

Por fim, a decisão destacou a adesão cada vez maior aos métodos extrajudiciais de resolução de conflitos, dentre eles a arbitragem, e, em consequência disso, o envolvimento crescente de agentes que deles participam. Assim, operadores do direito estarão envolvidos em diferentes frentes, “por seus reconhecidos e notórios conhecimentos jurídicos”, ora como árbitros, em procedimentos como advogados e, por vezes, como pareceristas. A decisão paradigmática frisou que, com o passar dos anos e em razão da popularização da solução arbitral, novas situações como a do presente caso se repetirão, presumindo-se a não sensatez em considerá-las todas eivadas de nulidade.