Sócio William Carvalho comenta jurisprudência que valida cláusula arbitral mista e devolve ao tribunal arbitral autoridade para decidir sobre sua própria competência

Em decisão recente, a 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo julgou pela validade de uma cláusula de arbitragem mista presente no contrato firmado entre duas empresas.

Resumo do caso

O TJSP reformou decisão de primeira instância envolvendo duas empresas que estipularam cláusula arbitral em contrato. Na avença, as partes concordaram que o Tribunal Arbitral eleito somente decidiria sobre causas que não ultrapassassem R$ 100 mil em custas procedimentais.

Após, em litígio que superou este teto, a respectiva câmara arbitral decidiu não ser competente para versar sobre o assunto. Em decorrência disso, uma das partes acionou o Poder Judiciário requerendo que ele determinasse a competência da CAMARB para a solução da questão.

Em primeira instância, a parte autora obteve decisão satisfatória e o juiz determinou que a CAMARB deveria decidir sobre o litígio. No entanto, a recorrente acionou o Tribunal de Justiça de São Paulo para que ele devolvesse os efeitos da primeira decisão, proferida pela câmara arbitral – e assim foi feito.

A decisão do TJSP foi fundamentada pelo entendimento de que ao árbitro deve ser atribuída a capacidade para analisar sua própria competência, ou seja, apreciar, por primeiro, a viabilidade de ser por ele julgado o conflito, pela inexistência de vício na convenção ou no contrato.

Desdobramentos da decisão

O art. 4º, da Lei nº 9.307/1996, determina que a cláusula compromissória é a convenção através da qual as partes, em um contrato, comprometem-se a submeter à arbitragem os litígios que possam vir a surgir.

O compromisso arbitral, em suma, é a liberdade das partes acordarem pela via arbitral como método de resolução de conflitos. Da mesma forma, como para optar pela arbitragem elas devem estar investidas da capacidade de contratar, as consequências advindas de futuros litígios estão implicitamente submetidas à autoridade da câmara arbitral eleita.

Obviamente, sendo intrínseca a legalidade das decisões da câmara arbitral, pairando dúvidas sobre a sua validade, Azuma Nahi, relator do recurso, determinou ser então necessário recorrer à própria interpretação proferida pela CAMARB a respeito da questão. Ou seja, na autoridade arbitral eleita reside a competência para determinar se ela está apta ou não para decidir sobre a questão, tendo o contrato como balizador de suas decisões. O desembargador ainda acrescentou que, considerando essa competência para deliberar sobre sua jurisdição, “nada mais correto que a prevalência de seu entendimento sobre a essência da aludida disposição contratual”.

Restando inconteste a autoridade do tribunal arbitral para decidir sobre sua própria competência – e ser da natureza do compromisso arbitral a anuência das partes quanto ao reconhecimento dessa autoridade –, não cabe ao Poder Judiciário devolver à CAMARB o dever de decidir quando ela própria disse não poder versar sobre tal questão – afinal, os limites de sua ingerência foram firmados contratualmente.

Em voto convergente ao do relator, a desembargadora Jane Franco destacou o princípio kompetenz, kompetenz (“competência, competência”) para encorpar a decisão do colegiado e reforçar a competência do tribunal arbitral em questões que lhe são atinentes e àquelas que lhe excedam. Então somente assim poderão ser resolvidas pelo Poder Judiciário, “em prestígio à própria vontade das partes cristalizadas no referido contrato”.