No último dia 23, a Comissão de Valores Mobiliários publicou a Resolução nº44, que teve como objetivo dispor sobre a divulgação de informações sobre ato ou fato relevante, sobre a negociação de valores mobiliários na pendência de ato ou fato relevante não divulgado e sobre a divulgação de informações a respeito das negociações de valores mobiliários. Esse é o principal escopo da nova regra que tem vigência a partir de 01 de setembro de 2021 e revogou a Instrução CVM nº 358, de 3 de janeiro de 2002, a Instrução CVM nº 369, de 11 de junho de 2002 e a Instrução CVM nº 449, de 15 de março de 2007.
Caracterização objetiva de fato ou ato relevante
Uma das principais mudanças constam no art. 2º da Resolução, que pretendeu caracterizar de forma mais clara os atos ou fatos relevantes, facilitando a aplicação em casos concretos. A partir dele, ficou estabelecido que toda e qualquer decisão de acionista controlador, deliberação de assembleia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios é considerado fato relevante.
Percebe-se o cuidado da Comissão ao expandir o critério de relevância para aquelas atitudes tomadas em interesse da companhia, desde que tenham sido tomadas por agentes ou colegiados investidos na função.
Ainda nesta esteira, a Resolução CVM nº44 preocupou-se em atrelar a relevância do ato ou do fato à sua capacidade de afetar a decisão dos investidores. Ou seja, não basta a eles serem relevantes, eles têm de influir de modo ponderável na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados, na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários, ou na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.
O parágrafo único do art. 2º elencou um rol de atitudes adequadas à aplicação da norma, que visa, de maneira sucinta, evitar o uso indevido de informações privilegiadas, o chamado insider trading. Importante ressaltar que o rol é exemplificativo e classifica como potencialmente relevante ações como: (I) assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva; (II) mudança no controle da companhia, inclusive por meio de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionista; (III) celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia; (IV) ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa; (V) autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro; (VI) decisão de promover o cancelamento de registro de companhia aberta; (VII) incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligada; (VIII) transformação ou dissolução da companhia etc.
Insider trading: formas de o mercado se proteger
Presente dentro da dinâmica do mercado, o insider trading exerce significativa influência dentro das negociações de papeis mobiliários, com consequente peso na imagem das companhias. A prática, além de antiética, é tipificada pela Lei nº 13.506/2017 como ilegal.
Não são poucos os esforços das companhias para coibir a presença dessa figura. Conforme pode ser verificado no artigo Insider Trading: a prática e suas características (clique aqui), o combate à essa prática tem sido cada vez mais destacado dentro do compliance das empresas. Esse conjunto de disciplinas, portanto, visa também atrelar as ações da companhia ao compromisso de evitar que pessoas com informações privilegiadas as usem para lesar o fluxo natural do mercado de valores mobiliários. Para tanto, dentro da organização interna, desvios, vazamentos ou qualquer inconformidade com o uso de informações são insistentemente verificados por aqueles que movimentam o mercado, cabendo à Comissão de Valores Mobiliários recrudescer o aparato legal para contribuir com o combate da prática.
Efeitos da nova resolução sobre o insider trading
O que se vê é que a Resolução nº 44 da CVM teve como principal efeito promover um alinhamento entre a norma e a jurisprudência do Colegiado da CVM, a partir da análise de casos envolvendo acusações por uso indevido de informações privilegiadas. Além de especificar as atitudes repreensíveis e as respectivas consequências, a comissão também se preocupou em adicionar mecanismos preventivos, que contribuam com a boa prática no mercado.
A partir da vigência da resolução, o “Período de Vedação”, durante o qual controladores, diretores, membros dos conselhos de administração e fiscal ficam impedidos de negociar valores mobiliários, passa a ter critérios ainda mais objetivos, de acordo com as presunções impostas pelo artigo 13.
Presunção de ilícito na negociação de papeis
Como dito, durante o Período de Vedação, os controladores, diretores, membros dos conselhos de administração e fiscal ficam impedidos de negociar valores mobiliários s antes da divulgação de informações trimestrais ou anuais para o mercado, independentemente do seu conteúdo. Caso descumpram a ordem, eles estarão sujeitos às sanções impostas pela autarquia.
Agora, a resolução também introduziu, no art. 13, uma lista de presunções de atos que, se praticados, presumem-se ilegais e com potencial de desequilibrar o mercado de valores mobiliários, o que torna mais objetiva a identificação da conduta ilegal.
Dessa forma, caso uma pessoa se utilize desse ardil ao ter contato com qualquer pessoa que às informações tenha acesso, com a finalidade de auferir vantagem, para si ou para outrem, mediante a negociação desses papeis, ela estará transgredindo a resolução e estará passível às punições da comissão.
Importante destacar que as condutas presumidas podem ser observadas concomitantemente e a presunção não é absoluta, mas relativa, eis que admitidas provas em contrário.
A partir da leitura do parágrafo primeiro do referido artigo 13, para fins de caracterização do ilícito, presume-se que:
I – a pessoa que negociou valores mobiliários dispondo de informação relevante ainda não divulgada fez uso de tal informação na referida negociação;
II – acionistas controladores, diretos ou indiretos, diretores, membros do conselho de administração e do conselho fiscal, e a própria companhia, em relação aos negócios com valores mobiliários de própria emissão, têm acesso a toda informação relevante ainda não divulgada;
III – as pessoas listadas no inciso II, bem como aqueles que tenham relação comercial, profissional ou de confiança com a companhia, ao terem tido acesso a informação relevante ainda não divulgada sabem que se trata de informação privilegiada;
IV – o administrador que se afasta da companhia dispondo de informação relevante e ainda não divulgada se vale de tal informação caso negocie valores mobiliários emitidos pela companhia no período de 3 (três) meses contados do seu desligamento;
V – são relevantes, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos à matéria, as informações acerca de operações de incorporação, cisão total ou parcial, fusão, transformação, ou qualquer forma de reorganização societária ou combinação de negócios, mudança no controle da companhia, inclusive por meio de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas, decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta ou mudança do ambiente ou segmento de negociação das ações de sua emissão; e
VI – são relevantes as informações acerca de pedido de recuperação judicial ou extrajudicial e de falência efetuados pela própria companhia, a partir do momento em que iniciados estudos ou análises relativos a tal pedido.
O parágrafo terceiro, ao longo de dois incisos, faz duas ressalvas quanto à aplicação da presunção, excluindo dela os seguintes casos: (I) aos casos de aquisição, por meio de negociação privada, de ações que se encontrem em tesouraria, decorrente do exercício de opção de compra de acordo com plano de outorga de opção de compra de ações aprovado em assembleia geral, ou quando se tratar de outorga de ações a administradores, empregados ou prestadores de serviços como parte de remuneração previamente aprovada em assembleia geral; e (II) às negociações envolvendo valores mobiliários de renda fixa, quando realizadas mediante operações com compromissos conjugados de recompra pelo vendedor e de revenda pelo comprador, para liquidação em data preestabelecida, anterior ou igual à do vencimento dos títulos objeto da operação, realizadas com rentabilidade ou parâmetros de remuneração predefinidos.
Política de divulgação
Outra alteração relevante foi a especificação do tipo de companhias que estaria sujeito à obrigatoriedade da Política de Divulgação, especificada no art. 17. Segundo o dispositivo, a companhia aberta deve, por deliberação do conselho de administração, adotar essa política em relação a ato ou fato relevante, já caracterizados no início desse artigo. No entanto, a grande inovação da resolução foi tornar essa adoção obrigatória apenas para as companhias que estejam registradas na categoria A. Cumulada a essa característica, também são exigidos pela norma a autorização por entidade administradora de mercado para negociar valores mobiliários em bolsa e, além disso, que a companhia possua ações em circulação. Nesse último ponto, a exceção são aquelas de titularidade do controlador, das pessoas a ele vinculadas, dos administradores da companhia e daquelas mantidas em tesouraria.
Base da resolução
As mudanças realizadas pela Comissão de Valores Mobiliários foram efetuadas com base nos resultados coletados pela Audiência Pública 06/20, conforme ressaltou a própria autarquia, demonstrando a importância da participação dos interessados na operacionalização do mercado em assuntos desta ordem.