Como é de conhecimento de todos, a declaração da pandemia, afetou de forma drástica a vida das pessoas físicas e jurídicas no Brasil e no mundo. No Brasil, a primeira norma que versava enfaticamente sobre o coronavírus foi promulgada em 06 de fevereiro de 2020. Tratava-se da Lei nº 13.979, em que o legislador dispôs sobre as medidas de enfrentamento da emergência de saúde. Em consonância ao primeiro ato governamental, o Ofício Circular CVM/SNC/SEP nº 02/2020, publicado em 10 de março, reuniu orientações sobre os procedimentos a serem observados pelas companhias abertas, estrangeiras e incentivadas, neste primeiro momento da pandemia.
Desde então, um significativo corpo legislativo deliberou sobre o funcionamento do mercado de capitais durante a pandemia, tanto no que tange à Comissão de Valores Mobiliários quanto à Securities and Exchange Commission – órgão regulador dos Estados Unidos.
Ofício circular e a publicidade dos riscos
No ofício supracitado, a CVM ressaltou a importância de que as companhias avaliem, caso a caso, a necessidade de divulgação de fato relevante aos riscos e incertezas advindos da pandemia, como alteração em estimativas e obrigação de waivers ou impactos sobre negócios em andamentos. A orientação do ofício acentua a necessidade de que as companhias prestem informações cristalinas ao mercado.
O circular orienta os auditores independentes quanto à lisura e publicidade da situação das companhias auditadas. Restou clara a preocupação da Comissão de Valores Mobiliários em determinar que as companhias ofereçam ao mercado relatórios minuciosos que quantifiquem os efeitos sobre a realidade econômica. Ou seja, companhias que tiveram o exercício encerrado em 31 de dezembro de 2019 devem registrar atipicidades causadas pela COVID-19 como eventos subsequentes, de acordo com a Deliberação CVM nº 593, de 15 de setembro de 2009. Companhias com o encerramento de exercício posterior a essa data ou que estejam elaborando o primeiro formulário de informações trimestrais (ITR), devem refletir os riscos diretamente nas demonstrações financeiras.
Conselhos de Administração em atuação diligente
No que diz respeito ao Conselho de Administração, juntamente com as legislações específicas para as companhias abertas, cabe ao colegiado decidir sobre questões cruciais ao funcionamento da empresa, tanto operacionais (como aquelas relativas o trabalho remoto dos colaboradores), quanto deliberativas (como as relativas o formato adotado para as votações). Caberá também ao órgão as deliberações de caráter informativo (como prestação de contas) e protetivas (como blindagem de ataques cibernéticos ao volume maior de dados armazenados digitalmente).
Assim sendo, é imprescindível pensar em uma atuação absolutamente diligente do conselho de administração, com “deveres fiduciários dos administradores desafiados a um novo patamar procedimental”. Nessa esteira, a Medida Provisória nº 931/2020 determinou que ao órgão competirá, excetuando-se a hipótese de previsão diversa no estatuto social, deliberar, ad referendum, sobre assuntos urgentes de competência da assembleia geral, enquanto não ocorrer a referida assembleia. Ou seja, diante da impossibilidade de reunião de todos os sócios, cabe ao conselho decidir sobre matérias sensíveis, impulsionando o conselho a um novo nível procedimental e pragmático, desde que atinente às diretrizes éticas.
Assembleias digitais
Outro importante ponto a ser estudado pelas companhias abertas é a inovação procedimental implantada pela Medida Provisória nº 931/2020, que prorrogou, em caráter excepcional, o prazo para as sociedades realizarem as assembleias ordinárias. Para as companhias cujo exercício social tenha se encerrado entre 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020, a realização poderá ser feita em até sete meses, contados do término do exercício social. Munindo-se desse dispositivo, é possível observar a realização de assembleias digitais, com companhias optando por esse modelo ou mesmo valendo-se de assembleias híbridas, adaptadas à realidade cada vez mais virtual e atenta aos protocolos de segurança.
As assembleias híbridas já eram permitidas desde a Lei nº 12.431/2015, com complemento regulatório da ICVM nº 561/2015. Desde então, autorizou-se o envio de Boletins de Voto à Distância por acionistas, além de participações remotas. Somando-se a essa legislação, a MP nº 931/2020 institui novas orientações para aperfeiçoar o modelo híbrido e autorizar o inteiramente digital, oferecendo às companhias opções que não coloquem seus sócios em risco, tampouco mitiguem a celeridade – própria e indispensável no momento atual.
Atinente às novas possibilidades de realização das assembleias, a ICVM nº 622, de 17 de abril de 2020, realizada por intermédio de Audiência Pública anunciada aqui no site (clique aqui), trouxe as diretrizes práticas para a realização das deliberações inteiramente digitais, como informações detalhadas sobre como ocorrerá a participação à distância e a votação dos sócios ausentes.
O funcionamento das juntas comerciais e os novos prazos
Ainda dentro das inovações advindas da MP, enquanto durarem as medidas restritivas ao funcionamento normal das juntas comerciais decorrentes da pandemia, determinou-se a suspensão da exigência de registro prévio na junta comercial dos atos necessários à realização de emissão de valores mobiliários. A validade de tal dispositivo iniciou-se em 1º de março de 2020, sendo que o arquivamento deverá ser feito em até 30 dias após a reabertura da respectiva junta. Dessa feita, por óbvio, diante da dificuldade de realização de atos presenciais nos órgãos governamentais no tempo anterior, o legislador dilatou o prazo a partir da reabertura das juntas para que as companhias se organizem adequadamente.
No que tange às demonstrações periódicas eventuais, a CVM publicou, em 31 de março de 2020, a Deliberação CVM nº 849, estabelecendo, dentre outros prazos, a prorrogação para a apresentação das demonstrações financeiras em até cinco meses a contar do término dos exercícios sociais encerrados em 31 de dezembro de 2019 e 31 de março de 2020. Outro importante adiamento diz respeito ao prazo para apresentação do relatório anual elaborado por agente fiduciário, prorrogado para seis meses após o término dos exercícios sociais encerrados dentro do mesmo intervalo temporal retrocitado.
Prorrogou, ainda, por 45 dias, o prazo para a entrega do formulário de informações trimestrais (ITR) referente ao primeiro trimestre do exercício social das companhias em exercício social encerrado em 31 de dezembro de 2019.
Por fim, a Deliberação CVM nº 849 ainda prorrogou, por dois meses, os prazos a seguir que se encerrem ou venham a se iniciar no exercício de 2020: apresentação de formulário cadastral; apresentação da atualização anual do formulário de referências; apresentação das demonstrações financeiras (emissores nacionais); apresentação do formulário de demonstrações financeiras padronizadas (DFP); apresentação do Informe sobre o Código Brasileiro de Governança Corporativa – Companhias Abertas.
Na segunda matéria sobre os impactos da COVID-19 no mercado de capitais abordaremos outros pontos importantes às companhias abertas. Continuem nos acompanhando.