Desconsideração da personalidade jurídica não exige prova da inexistência de bens do devedor, diz STJ

A personalidade jurídica atribui condição específica às entidades e associações. Esse instituto surgiu para estabelecer características próprias a esses tipos de organizações e tem o condão, no âmbito econômico, de promover o desenvolvimento do mercado por meio da distinção entre os direitos e deveres da sociedade e dos sócios.

Nesse sentido, a personalidade jurídica determina uma separação patrimonial entre a entidade ou organização e os participantes de suas atividades. Essa incomunicabilidade dos patrimônios está expressa no art. 1024 do Código Civil, onde assim estabelece: “Os bens particulares dos sócios não podem ser executados por dívidas da sociedade, senão depois de executados os bens sociais”.

A desconsideração da personalidade jurídica e seu contexto de aplicação

Essa independência dos bens, portanto, é incontestável, exceto quando os bens da pessoa jurídica forem insuficientes à execução. Além disso, no intuito de coibir a prática de abusos e fraudes por parte dos sócios, administradores, gerentes e representantes legais, instituiu-se a tese da despersonalização da personalidade jurídica.

A teoria supracitada impede que os principais integrantes da entidade se escondam sob a independência patrimonial e pratiquem irresponsabilidades em nome da pessoa jurídica. Entretanto, cumpre acrescentar que essa é uma prática excepcional, decorrente de um desvio de finalidade ou confusão patrimonial, culminando no chamado abuso de personalidade.

Despersonalização em caso de ausência de prova de inexistência de patrimônio

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu um importante precedente no que diz respeito aos critérios necessários para a desconsideração da personalidade jurídica. Em julgamento, a corte decidiu que a despersonalização não exige prova da inexistência de bens do devedor.

O relator do caso, ministro Luis Felipe Salomão, primeiramente reiterou o caráter excepcional da desconsideração da personalidade jurídica. Esclarecido este ponto, ele ressaltou que esse é “um importante mecanismo de recuperação de crédito, combate à fraude e, por consequência, fortalecimento da segurança do mercado, em razão do acréscimo de garantia aos credores”.

Em seu voto, o relator fundamentou a dispensa da prova com base no art. 50 do Código Civil. De acordo com esse dispositivo, não há a exigência de comprovação da inexistência de bens da devedora, ou mesmo a não localização destes. Segundo suas palavras, “a inexistência ou não localização de bens da pessoa jurídica não caracteriza, por si só, quaisquer dos requisitos previstos no artigo 50 do Código Civil, sendo imprescindível a demonstração específica de prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial”.

A decisão proferida em REsp de nº 1729554 contrariou o acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que havia endossado a decisão de primeira instância no sentido de que não caberia o incidente ante a ausência de comprovação de inexistência de bens da empresa. Diante disso, a Quarta Turma decidiu, por unanimidade, pelo retorno do caso ao primeiro grau e a viabilização da desconsideração da personalidade jurídica da empresa devedora.