O Superior Tribunal de Justiça (STJ), em julgamento realizado no último dia 14, esclareceu as consequências da não habilitação de credores no plano de recuperação judicial. Com a medida, a corte encorpou a jurisprudência a respeito e, por consequência, deu um importante passo no que tange àsegurança jurídica envolvida em tais relações.
Participação do credor na recuperação judicial
A Lei de Falências e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/2005) concede aos credores participação significativa no cenário de recuperacional e de insolvência das empresas. Essa participação no âmbito dos procedimentos de recuperação judicial foi fortalecida com a Lei nº 14.112/2020, na qual restou fortalecida a regra que determina ser imprescindível ao plano de recuperação o acompanhamento ativo do credor. A lei ainda ressalta que essa participação não pode se guiar, única e exclusivamente, pelos interesses exclusivos dos credores – sob o risco de prejudicar o restabelecimento da recuperanda –, determinando que a participação dos credores deve visar a coletividade e a viabilização das atividades empresariais para que, em última análise, a pessoa jurídica possasolver seus compromissos.
Conforme destaca a doutrina, nas palavras do professor Daniel Carnio Costa, diferentemente do que ocorria no regime do Decreto-Lei nº 7.661/1945, no qual a concordata era imposta aos credores, a Lei nº 11.101/2005 prevê participação ativa dos credores na recuperação, judicial ou extrajudicial, e na falência. Isso porque são eles que sofrem os efeitos da novação das condições originalmente contratadas com o devedor, devendo, portanto, lhes ser garantido o direito de participação em processos decisórios. E prossegue: “em um processo de recuperação judicial, é muito importante que credores busquem a defesa de seus interesses, mas que essa busca não os impeça de visualizar que o bem comum é superior ao bem particular”.
Detalhes da decisão
As consequências da opção do credor por não se habilitar no plano de recuperação foram traçadas pela Quarta Turma do STJ, em julgamento dos embargos de declaração apresentados por empresa recuperanda no Recurso Especial 1.851.692. Em maio, ao julgar a causa, o colegiado entendeu que o titular de crédito que for voluntariamente excluído do plano de recuperação judicial tem a prerrogativa de decidir não habilitá-lo, optando pela exclusão individual após o término do processo. Por tal escolha, portanto, de acordo com a decisão, “não é possível impor ao credor retardatário a submissão de seu crédito ao quadro de credores, ainda que o plano preveja a inclusão de créditos semelhantes”.
Os embargos de declaração foram acolhidos. Segundo o relator do julgado, Ministro Luis Felipe Salomão, era plausível a necessidade de o colegiado esclarecer as consequências materiais e processuais decorrentes da decisão do credor.
Consequências da não habilitação
Segundo Salomão, uma vez aprovado o plano de recuperação dispondo acerca do pagamento de determinado crédito, o credor que optou por não se habilitar sofrerá os efeitos da recuperação. O relator acrescentou que, nesse caso, o crédito será considerado novado e o credor deverá recebe-lo “em conformidade com o previsto no plano”.
De acordo com a corte, ao credor que não estiver na lista restarão as seguintes opções:
- Habilitar o crédito de forma retardatária;
- Não cobrá-lo;
- Ajuizar ação de execução individual;
- Retomar o cumprimento de sentença, após o encerramento da recuperação.
Para Salomão, em qualquer hipótese, o credor terá o ônus de se sujeitar aos efeitos da recuperação judicial. O ministro ressaltou ainda o tratamento normativo menos vantajoso destinado aos retardatários, quando comparado àquele destinado aos credores que habilitaram ou retificaram seus créditos dentro do prazo legal.
O STJ esclareceu, ainda, que o credor não habilitado perde a legitimidade para votar em assembleia, deixa em aberto a ocorrência de prescrição, abre mão do direito de receber o crédito no âmbito da recuperação, durante o período de fiscalização judicial.
Por fim, segundo palavras do relator, o credor que não tenha sido incluído no plano e que tenha optado por não se habilitar de forma retardatária, sem interesse em participar do conclave pela execução individual, deverá aguardar o encerramento da recuperação judicial (art. 63 da Lei de Falências), assumindo todas as consequências jurídicas (processuais e materiais) de sua escolha. O ministro ainda fundamentou dizendo ser contraditório reconhecer que a norma incentiva a participação do credor na recuperação judicial com a habilitação de seu crédito, ainda que de forma retardatária (apesar das consequências), e, por outro lado, em relação ao credor reticente, que não participa da recuperação e almeja o recebimento “por fora” do seu crédito, não preveja nenhum tipo de repercussão negativa, a não ser aguardar o prazo de encerramento da recuperação judicial.