Em recente decisão, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu importante precedente ao determinar como lícito ao credor ceder a terceiro o crédito decorrente de astreintes. Para a confirmação jurídica da transação, não podem, entretanto, se opor a isso a natureza da obrigação, a lei ou a convenção com o devedor.
Definição de astreintes e seus desdobramentos
Previstas no Código de Processo Civil, as astreintes tem como finalidade “o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”, municiando o juízo com uma das providências previstas no caput do art. 461, de assegurar o resultado prático equivalente ao do adimplemento. Além da redação do CPC, as astreintes estão previstas também no Código de Defesa do Consumidor e em vasta literatura doutrinária, sendo pacífica, em todas as searas, sua natureza precipuamente coercitiva. Ou seja, as astreintes não tem equivalência com o que houver sido determinado ao executado na sentença, mas tem o condão de mover o processo em busca de satisfação do que está ali ratificado.
Conforme se verifica na literatura jurídica e na decisão da corte, as astreintes são instrumentos para forçar a satisfação das decisões proferidas dentro do processo judicial. Em resumo, tratam-se de medidas coatoras, fixadas no início da fase de cumprimento de sentença, e que buscam a satisfação da obrigação em si. Em caso de descumprimento, as astreintes constituem-se em penalidade financeira, modificando sua natureza puramente coercitiva e dando origem ao ponto central da jurisprudência ora analisada.
Caso concreto e fundamentos da decisão
A decisão do tribunal superior confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), que permitiu a cessão de crédito a uma empresa durante a fase de cumprimento de sentença. Conforme explicado no site do STJ, a empresa, então, assumiu o polo ativo da ação movida pelos credores, “com o objetivo de cobrar exclusivamente o valor decorrente da multa diária em razão do descumprimento da obrigação de fazer imposta na sentença”. Sob argumento de que o crédito decorrente das astreintes é acessório e personalíssimo, a executada recorreu ao Superior Tribunal de Justiça.
Para o relator do caso, ministro Marco Aurélio Bellizze, o crédito gerado pela multa cominatória “integra o patrimônio do credor a partir do momento em que a ordem judicial é descumprida”. Dessa forma, no momento em que é passível de incorporação material, o crédito pode ser disposto pelo seu proprietário, afinal, o descumprimento da obrigação de fazer ou não fazer promove a convolação da natureza em mista.
O magistrado destacou a natureza coercitiva das astreintes, sendo que o desdobramento esperado da medida não é a consolidação da multa em si, mas o cumprimento voluntário da obrigação. Dito isso, ressaltou também que a obrigação descumprida pelo devedor imprime nela o caráter indenizatório pelo “dano derivado da demora no cumprimento da obrigação”. Nas palavras do relator, a partir do momento do inadimplemento voluntário do devedor, essa natureza indenizatória descaracteriza a astreinte como obrigação acessória para se tornar uma prestação independente, “e se incorpora à esfera de disponibilidade do credor como direito patrimonial”, passível de ser objeto de cessão de crédito.
Importante frisar que a decisão cuidou de explicar que não se trata de cessão de direito. Ou seja, àquele a quem é cedido o crédito não se transfere a faculdade de exigir a imposição da multa ou o cumprimento da própria obrigação de fazer ou não fazer. Para a corte, a cessão se delimita ao valor alcançado pela inadimplência do devedor, “o qual não é um direito indisponível, já que tem expressão econômica capaz de despertar o interesse de terceiros na sua aquisição”.