Sócia Fabiana Fonseca comenta decisão do STJ que determinou que a teoria Actio Nata e a contagem de prazo prescricional somente se aplicam à massa falida após a decretação de falência

No dia 08 de fevereiro, o Superior Tribunal de Justiça pacificou importante questão que diz respeito ao ponto inicial da contagem de tempo prescricional de ação de massa falida que pretende a reparação por eventual direito violado.

Em suma, conforme consta no acórdão da Ministra Nancy Andrighi, seguido pelos seus pares em votação apertada, a controvérsia girou em torno do marco inaugural da contagem do prazo: se ele se aplica antes da decretação de falência – e consequente constituição da massa falida – ou se ele somente se inicia após a sentença falimentar.

Resumo do caso

Quando ainda em primeira instância, a massa falida ajuizou ação indenizatória contra a ré. Contudo, em razão de tempo prescricional reconhecido pelo juiz, o processo foi extinto e a parte autora foi condenada às custas processuais.

Para a decretação da prescrição, o juízo de primeiro grau apoiou-se no art. 206, §3º, inciso VI, do Código Civil, no qual fica determinado o prazo de três anos como o aplicável ao referido caso.

Em nova tentativa, a massa falida recorreu da decisão e provocou o Tribunal de Justiça de São Paulo. A corte, no entanto, aplicou a teoria da actio nata, sobre a qual falaremos mais a frente e negou provimento aos argumentos da massa falida, o que oportunizou a interposição do recurso especial ora analisado.

O TJSP fundamentou a aplicação da teoria acima aludida desconsiderando da equação a decretação da falência. Para a fixação do prazo prescricional, os eventuais acontecimentos fraudulentos, portanto, estariam sujeitos aos três anos a contar do suposto conhecimento da pessoa do falido. Conforme recorte do acórdão, “na pior das hipóteses, o termo inicial do prazo passou a correr da data em que o relatório da equipe de auditores, constatando a fraude, foi juntado aos autos de liquidação”.

A parte autora recorreu ao STJ e embasou o REsp no art. 105, inciso III, alíneas “a” e “c”, da Constituição. Ainda de acordo com a recorrente, não há dispositivos legais vigentes que fixem o termo inicial da prescrição ali discutida, o que levou o tribunal a ressaltar a distinção da massa falida da pessoa do falido. A partir dessa distinção, não pode o prazo prescricional começar antes da sentença de falência, quando ainda não havia massa falida titular da pretensão.

A massa falida requereu o provimento de suas razões e foi atendida pela corte.

Teoria Actio Nata

O art. 189 do Código Civil determina que, violado o direito, nasce para o titular a pretensão de ser reparado pelo que ele eventualmente sofreu, dentro do prazo determinado pelos arts. 205 e 206, qual seja, de três anos. De acordo com a doutrina, esse dispositivo consagra o princípio denominado actio nata, segundo o qual a prescrição só começa a correr após a efetiva lesão do direito.

Dessa forma, a teoria actio nata inicia o prazo prescricional não da violação, em si, de um direito subjetivo, senão do conhecimento da violação ou lesão a esse direito pelo seu respectivo titular. Essa definição jurisprudencial ainda acrescenta que a boa-fé, no caso da actio nata, é prestigiada de modo mais vigoroso, ou seja, ela afasta do titular a perda do direito de pleitear qualquer indenização antes que ele tenha tomado conhecimento da eventual lesão. Para a doutrina, isso não se põe em dúvida, pois, de acordo com citação feita pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios, “é absolutamente possível afrontar o direito de alguém sem que o titular tenha imediato conhecimento do ato e de suas consequências”.

Não incidência da actio nata antes da decretação de falência

O julgamento ficou sob responsabilidade da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça. O relator, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, votou por manter as conclusões do TJSP e reconhecer a prescrição. Acompanhou seu voto o ministro Marco Aurélio Bellize.

A ministra Nancy Andrighi foi a responsável pelo voto divergente, ao que lhe acompanharam os ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi, formando maioria. Em seu voto, o argumento central foi, como dito, centrado na distinção entre massa falida e a pessoa do falido. Para a ministra, por uma questão lógica, “observa-se que a pretensão indenizatória supostamente titularizada pela massa falida não pode existir antes da existência do próprio sujeito de direito que lhe é titular”. A teoria da actio ratio, portanto, não encontra personalidade jurídica para se ancorar, afinal não há sujeito possível antes da constituição da massa falida.

Dessa forma, para pacificar a questão, a ministra suscitou o entendimento de que a pretensão reparatória da massa falida nasce a partir da decretação da falência, pois esse é o momento em que se concretizam os danos decorrentes dos atos ilícitos praticados contra o patrimônio em disputa. Andrighi ainda ressaltou que a deflagração do lapso prescricional em momento anterior à sentença de falência “encontra óbice no fato de que a massa falida passou a existir como tal somente a partir de sua prolação, de modo que, por imperativo lógico, não haveria como caracterizar-se, antes disso, eventual inércia”.