Marco legal das startups: o que é e como modificará o mercado

Em 14 de dezembro de 2020, a Câmara dos Deputados, com 361 votos favoráveis, aprovou o Projeto de Lei Complementar nº 249 de 2020 – apensado ao PL nº 149/19, que trata de matéria semelhante –, que tem como objetivo principal instituir o marco legal das startups e do empreendedorismo inovador.

Startups – características básicas

Sem tradução oficial para o português, a palavra startup está cada vez mais incorporada no cotidiano brasileiro de negócios. Por aproximação, uma startup caracteriza-se por ser um empreendimento cujas atividades e produtos estão em fase inicial de desenvolvimento. Soma-se a tal característica, o fato de serem tais empreendimentos voltados à criação de modelos negociais inovadores, quase sempre relacionados a negócios com base tecnológica.

Em função desses aspectos, startups muitas vezes alcançam um crescimento exponencial em um curto espaço de tempo, sobretudo quando desenvolvem produtos ou serviços disruptivos, ou seja, aqueles que inovam de tal modo, que acabam por criar novos segmentos de mercado.

No contexto das startups é comum a constante necessidade de captação de recursos para que o negócio possa se desenvolver, o que as faz buscar investimentos também de forma inovadora, quando comparadas com as formas usuais de obtenção de recursos. Nesse sentido, startups costumam captar recursos por meio de investidores anjos ou companhias de capital de risco, enquanto a maioria das empresas valem-se de aportes realizados pelos seus sócios ou, quando estes não são suficientes, por meio de empréstimos ou outros negócios jurídicos mais comuns.

Tais características negociais e estruturais clamaram para que as startups merecessem maiores incentivos e atenção legislativa, o que culminou na elaboração de diversos Projetos de Leis, não apenas no plano federal, mas também nos Estados e Municípios, já que cada ente, dentro do seu espectro de competência constitucional, pode legislar sobre determinadas matérias.

Particularidades do marco legal das startups

De maneira geral, um traço que pode ser observado na análise do Marco Legal das Startups foi uma tentativa de desburocratização das formas negociais utilizadas para o desenvolvimento de tais atividades, o que se traduziu em uma tentativa do legislador de conferir maior liberdade para se empreender e maior segurança para investir em tais empreendimentos.

De acordo com o texto do Projeto de Lei Complementar nº 146/19, startups são organizações empresariais ou societárias caracterizadas pela inovação aplicada a modelo de negócios ou a produtos ou serviços ofertados.

Tais organizações podem ser constituídas sob a forma de sociedades empresárias, empresa individual e sociedades cooperativas. Os empreendimentos devem ter receita bruta de até R$ 16 milhões no ano anterior e, se tiverem até dez anos de inscrição no CNPJ, poderão ser enquadradas como startups para os fins do projeto. Além disso, eles precisam declarar, em seu ato constitutivo, o uso de modelos inovadores, ou se enquadrarem no regime especial Inova Simples, previsto no Estatuto das Micro e Pequenas Empresas (Lei nº 126/06).

Investidores

Conforme observa-se no texto do projeto de lei, investidores que queiram aportar capital em startups poderão fazê-lo sem a necessidade de participação no capital social, na direção e no poder decisório da empresa. Em outras palavras, tais investidores não precisam assumir a condição de sócios para realizarem investimentos em tais empreendimentos, o que se aplica tanto a pessoas físicas quanto a pessoas jurídicas

Importante destacar que, ao não assumirem a condição de sócios de tais pessoas jurídicas, confere-se aos investidores a segurança de que estes não venham a sofrer os eventuais efeitos do não pagamento de dívidas. Isto se afigura medida interessante na medida em que, em nosso ordenamento jurídico, a proteção conferida aos sócios a partir da separação entre personalidade jurídica da sociedade é relativa e, usualmente os sócios são chamados a responder por dívidas da pessoa jurídica, especialmente no âmbito trabalhista e tributário.

Para o investidor pessoa física, cabe destacar, que a compensação de prejuízos acumulados na fase inicial de investimento pode se dar com o lucro da venda de ações posteriormente obtidas. A tributação sobre o ganho de capital incidirá sobre o lucro líquido.

Outra forma de as startups receberem recursos é por meio de fundos patrimoniais (Lei nº 13.800/19) ou fundos de investimento em participações (FIP) nas categorias capital semente, empresas emergentes e empresas com produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação.

As empresas que apliquem nos fundos FIP-Capital Semente poderão ainda descontar o valor da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL). Conforme destaca o site da Câmara dos Debutados, esse incentivo fiscal está previsto no Repes, um regime especial de tributação para a exportação de serviços de tecnologia da informação.

No que diz respeito aos fundos de investimento enquanto investidores-anjo, a Comissão de Valores Mobiliários autorizou que micro e pequenas empresas enquadradas no estatuto (receita bruta até R$ 4,8 milhões anuais) atuem como tal. Cabe relembrar que o investidor-anjo investe sem participar do comando, mesmo que os recursos aplicados sejam superiores ao capital social. Uma inovação do texto em voga, no entanto, permite a participação dessa categoria nas deliberações de forma consultiva e o acesso às contas, ao inventário, aos balanços, livros contábeis e à situação do caixa.

Opção de compra de ações

Aqueles que contribuírem para o crescimento da startup como integrantes da equipe poderão receber em retribuição aos seus esforços para o desenvolvimento do negócio uma promessa de aquisição de ações ou quotas da pessoa jurídica, o que usualmente ocorre a partir da consecução de metas de performance, não apenas do profissional, mas do negócio como um todo.

Essa opção de compra de ações, ou stock options, somente será submetida à tributação quando se der a conversão da compra, ou seja, quando se cumprir o termo do contrato. Nesse momento, serão calculadas as obrigações de imposto de renda e previdência social (INSS), sendo que ambas não incidem sobre dividendos distribuídos em caso de eventual valorização das ações.

A disciplina sobre este ponto é especialmente importante, pois confere ao plano de stock options maior segurança, na medida em que a pairava sobre o assunto entendimentos jurisprudenciais e administrativos divergentes no tocante ao momento da tributação para o beneficiário de tais opções.

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Liberdade de gestão

De acordo com o que destaca o site da Câmara dos Deputados, para explorar inovações experimentais com maior liberdade de atuação, as startups poderão contar com um ambiente regulatório experimental (sandbox regulatório). Esse mecanismo permite que instituições autorizadas e ainda não autorizadas pelo Banco Central possam testar projetos inovadores (produtos e serviços experimentais) com clientes reais, sujeitos a requisitos regulatórios específicos.

Um efeito prático e impactante dessa ferramenta é a suspensão, por parte de agências reguladoras, de normas que estejam sendo óbices para a realização do projeto. Os efeitos e duração da suspensão não são indiscriminados e deverão ser acompanhados de perto pela autoridade competente.