No último dia 19, o Supremo Tribunal Federal decidiu sobre a possibilidade de cobrança de ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) na transferência de mercadorias entre estabelecimentos da mesma pessoa jurídica. A decisão, conforme ressaltou o site da corte, modulou os efeitos do julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, realizado em 2021, e necessariamente declara a inconstitucionalidade de dispositivo da Lei Kandir (Lei Complementar 87/1996), que permitia a realização da cobrança.
Origens da discussão
A Lei Kandir, promulgada em 13 de setembro de 1996, guarda em seu bojo dispositivo de exaustiva discussão acerca do assunto ora tratado. Em seu primeiro artigo, a lei atribuiu aos Estados e ao Distrito Federal a instituição do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. O imbróglio a respeito da cobrança de ICMS no presente caso surgiu quando, em 2021, o STF firmou precedente de que o tributo não poderia ser cobrado sobre o envio de mercadorias entre estabelecimentos de uma mesma empresa que se encontrem em estados diferentes – ainda que os estados possuíssem autonomia legal para divergirem sobre a cobrança ou não da mercadoria que nele entrasse ou saísse.
Com a isenção e consequente acúmulo de créditos, inaugurou-se a discussão sobre a possibilidade de transferência desses créditos para outros fins que não o abatimento nos débitos de ICMS interestadual. Sob esse argumento, empresas e entidades empresariais estavam atentas ao julgamento por considerarem que, ao se autorizar o redirecionamento do crédito, a atividade econômica em si seria o principal ponto beneficiado, ou seja, o empreendedorismo, diante da pacificação do assunto, poderia se valer de créditos para otimizar os inúmeros modelos de planejamento tributário que envolvem o transporte interestadual de mercadorias.
Fundamentos da decisão
Para o relator do caso, ministro Edson Fachin, ao se decidir sobre o assunto era preciso assegurar a “segurança jurídica na tributação e equilíbrio do federalismo fiscal”. Segundo suas palavras, faz-se necessário preservar as operações praticadas sob o ordenamento e intepretações válidas, assim como proteger as “estruturas negociais concebidas pelos contribuintes, sobretudo em relação aos incentivos fiscais de ICMS”. Dessa forma, ao decidir pela validade da transferência de créditos, o relator apontou para o risco da revisão de incontáveis operações de transferências já realizadas e, precipuamente, realizadas conforme a legalidade.
Nessa esteira, a decisão da corte modulou os efeitos da autorização da transferência para, em busca de um ponto de equilíbrio entre a preservação da atividade econômica, a adequação tributária e a solidez jurídica, fazer valer a prática de transferência de créditos a partir do exercício financeiro de 2024.
O plenário da corte acompanhou, por unanimidade, o entendimento do ministro Fachin. Quanto à modulação pró-futuro, divergiu do relator o ministro Dias Toffoli. Por fim, importante destacar que o julgamento foi suspenso para proclamação do resultado final em sessão presencial.