Sócio William Carvalho comenta decisão que afasta cláusula compromissória arbitral sob alegação de hipossuficiência de uma das partes

O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) proferiu decisão em favor da anulação de cláusula arbitral no âmbito do contrato celebrado entre dois particulares, franqueado e franqueador. Ao declarar-se hipossuficiente para o tribunal, a parte obteve êxito no pleito e o acórdão representa pontos preocupantes quanto à opção pelo método extrajudicial de resolução de conflitos.

Detalhes da decisão

A 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial do TJSP acatou o argumento da parte que solicitava o afastamento da cláusula de arbitragem em razão da autodeclarada hipossuficiência, na condição de franqueado, frente à franqueadora.

Conforme destacado no acórdão, ao analisar o pedido, o relator Cesar Ciampolini destacou que, apesar da inequívoca ciência dos franqueados quanto à referida cláusula, havendo hipossuficiência, os franqueados não poderão suportar as despesas de uma arbitragem. Para sustentar seu voto, o desembargador destacou entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que afirma que o Poder Judiciário pode, nos casos em que identificar um “compromisso arbitral patológico”, declarar a nulidade da cláusula que o instaura, “independentemente do estado em que se encontre o procedimento arbitral”.

O relator anulou a decisão de primeira instância, que extinguia o processo em razão da convenção de arbitragem, e determinou o retorno dos autos ao juízo de origem. O colegiado acompanhou seu entendimento.

Incompatibilidade da decisão com a opção pela arbitragem

A arbitragem é um instituto há muito tempo incorporado no ordenamento jurídico brasileiro. Mais especificamente no ano de 1996, o legislador tratou de determinar que as pessoas capazes de realizar negócios jurídicos poderão valer-se desse meio para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis – destaca-se aqui a natureza do objeto do contrato submetido à arbitragem, afinal, sua disponibilidade e a capacidade das partes são as bases dessa modalidade de resolução.

A decisão ora analisada expande-se para outras que afastam a vontade das partes, anteriormente expressa no contrato pactuado e firmada dentro da legalidade, sob o argumento de vício na via arbitral. No entanto, a opção pelo tribunal arbitral não só está legalmente autorizada como resguarda-se de alegações futuras motivadas pelo arrependimento ou pela mudança conjuntural da situação das partes. Tamanha rigidez se justifica pela força da sentença arbitral, que, de acordo com o art. 515 do CPC (lei nº 13.105/15), é título executivo judicial, tal qual a sentença proferida no âmbito do judiciário.

Na esteira da doutrina e jurisprudência convencionais, as cláusulas compromissórias – que são aquelas que submetem acordos à via arbitral – têm poder vinculante e caráter obrigatório. Ou seja, contemplados os requisitos estabelecidos em lei, quais sejam, a vontade das partes e a disponibilidade do bem, o juízo arbitral eleito pelas partes afasta a competência do Poder Judiciário para atuar no caso. Dessa forma, o que se analisa no acórdão do TJSP é o risco que a relevância de subjetividades – como a hipossuficiência – possa representar a um método soberano de resolução de conflitos. Ora, se ao assinarem o contrato as partes gozavam da capacidade de contratação, elas estavam exercendo também seu direito de renunciar à jurisdição estatal.

Decisões como a do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo vão na contramão de uma lei que representa um avanço não só na consagração da capacidade de contratação e vontade das partes, como também um desafogo para o judiciário, diariamente inundado por ações ajuizadas. Ao deferir o afastamento da arbitragem por alegações como a de hipossuficiência, perde-se também a cristalina segurança jurídica proporcionada por essa via de resolução de conflitos e abre-se espaço para novas contestações baseadas em razões distantes daquelas estabelecidas em lei.