Sócio William Carvalho comenta proteção judicial concedida à companhia Americanas

Na última semana, o mercado nacional de ações foi surpreendido pelas informações apresentadas nos Fatos Relevantes divulgados pela companhia aberta Americanas S.A.. De acordo com a empresa, foram identificadas inconsistências contábeis no valor de R$ 20 bilhões, que, somado à dívida anteriormente conhecida, de R$ 19,3 bilhões, totalizou um montante aproximado de R$ 40 bilhões em dívida bruta.

Conforme destacou o jornal Folha de S. Paulo, em menos de 72 horas após a revelação, a gigante do varejo perdeu importantes nomes da cúpula diretiva, incluindo seu CEO, viu as ações na Bolsa de Valores sofrerem a maior desvalorização suportada por uma empresa desde 2008 e assistiu investidores denunciarem a companhia em órgãos de fiscalização e controle.

Proteção à empresa: importante precedente

Diante do cenário catastrófico e de vários movimentos imprimindo alta pressão sobre a holding, a companhia obteve na justiça, no último dia 13, uma proteção judicial que, em suma, a blindou, por 30 dias, contra o vencimento antecipado das dúvidas. Esse passo foi visto pelo mercado como um sinal preparatório para o pedido de recuperação judicial  (o que de fato acabou acontecendo no último 19 de janeiro), imprescindível para que os cofres da empresa não se esgotassem antes da viabilização de um plano que pudesse evitar sua falência. Naquele momento a companhia ainda não confirmava a intenção de recuperação judicial.

Na decisão inicial do juiz Paulo Assed, o magistrado suspendeu qualquer possibilidade de bloqueio, sequestro ou penhora de bens da Americanas S.A., que também ficou “desobrigada de pagar suas dívidas até que um eventual pedido de recuperação judicial seja feito à Justiça”, dentro do prazo estabelecido de 30 dias. A tutela de urgência concedida, em prática, antecipava os efeitos imediatos do instituto da recuperação judicial, que tem como objetivo primário proporcionar uma sobrevida e permitir uma posterior reestruturação à empresa em crise, atendendo aos interesses da coletividade, como: manutenção de empregos, oferta de serviços e produtos e preservação da economia. Nessa esteira, para as Americanas, a medida se mostrava essencial para (i) preservar a continuidade da oferta de serviços de qualidade a seus clientes […] (ii) preservar o valor da companhia e do Grupo Americanas, e (iii) assegurar a manutenção da continuidade de seu negócio e sua função social.

Controvérsias e outras medidas sobre o caso

Apesar do embasamento da decisão proferida na 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro, atendendo ao pedido da Americanas de preservação da atividade empresarial, investidores da companhia recorreram à instância superior sob o argumento de se tratar de uma artimanha do corpo diretor, que impede os credores de disporem do que lhes permite a lei para reaver os prejuízos causados pela má administração.

A série de críticas ao pedido de proteção derrubou, ainda mais, os papéis da empresa. No entanto, prevaleceu o argumento do juiz de primeira instância, que alegou ser “plenamente justificável o deferimento da medida, com vistas a evitar o exaurimento de todos os ativos da companhia por credores altamente qualificados, em detrimento dos demais credores, e, principalmente, da própria manutenção da atividade econômica”.

A proteção concedida pela justiça, de fato, antecipou o pedido de recuperação anunciado pela empresa. Contudo, o lapso entre seu deferimento e a decretação da recuperação foi um impeditivo aos credores que planejavam empenhar esforços para reaver pelo menos parte do prejuízo. De todo modo, o pedido de recuperação das Americanas foi aceito pela Justiça, aumentando ainda mais a perda de valor dos papéis da empresa, que despencou 42,53% pós-anúncio.

Consequência imediata dessa cadeia de eventos até o deferimento da recuperação judicial, a B3 anunciou que, a partir de hoje, 20 de janeiro, a Americanas (AMER3) deixou de fazer parte dos índices da bolsa brasileira, inclusive do Ibovespa – índice de referência no mercado brasileiro formado pelas ações com o maior volume negociado nos últimos meses na B3 e de todos os grupos acionários, conforme explicou o site Valor Investe.

Cumpre destacar que, de acordo com a B3, durante a sexta-feira, 20, o ativo AMER3 poderá ser negociado normalmente, no entanto listado na B3 com o título de “recuperação judicial”. A partir do dia 23 de janeiro, então, a Americanas deixará os índices definitivamente.

Embora o rombo contábil das Americanas tenha surpreendido o mercado, sua exclusão da B3 não foi medida inesperada. Desde que o déficit veio a público, a bolsa de valores brasileira estudava a exclusão da empresa de seus índices, de acordo com a fonte Valor Investe. A desvalorização vertiginosa das ações, somada aos indícios de falha ou ausência de governança corporativa, levaram a essa medida – que não encerra o ciclo.

Diante dos graves fatos envolvendo as Americanas, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), autarquia federal responsável pela regulação do mercado de capitais no Brasil, veio a público informar que está adotando “todas as providências cabíveis para o adequado e cuidadoso esclarecimento de todos os atos, fatos e eventos” relacionados ao caso, com a abertura de “processos administrativos em diferentes superintendências e áreas de atuação” da CVM.