Sócio William Carvalho comenta aspectos constitutivos e melhorias necessárias aos fundos endowment

Fundo endowment, ou fundo patrimonial, é um instituto legalmente regulamentado pelo direito brasileiro que tem como objetivo reunir fontes de recursos previsíveis e perenes, destinados a uma causa usualmente social. O fundo endowment, nesse sentido, existe justamente para garantir a longevidade daquela causa, com eficaz e manifesta proteção do patrimônio a ela destinado e que, por consequência, a ela é essencial para sua manutenção. O fundo endowment, portanto, aglutina bens de diferentes naturezas e doadores, mas não só isso. Ele também detém a função de verificar a aplicação dos seus recursos no objetivo pré-estabelecido, evitando falhas, desvios e outras irregularidades potenciais, que podem macular o motivo de sua constituição.

Aspectos estruturais do fundo

Conforme destacado pelo IDIS – Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social, o fundo endowment deve ser de titularidade ou vinculado a uma pessoa jurídica sem fins lucrativos. O instituto dá como exemplo de beneficiados por essas organizações museus, universidades, teatros, orquestras e hospitais, que, uma vez escolhido, torna-se a razão pela qual o fundo existe, não podendo ser desabastecido ou ignorado dentro dos parâmetros traçados, do contrário, ele perde seu objeto principal – prospectar e gerir recursos para aquela causa.

Embora ainda pouco usado no Brasil, o fundo endowment vem ganhando tração nas organizações  sociais por diferentes motivos, mas todos eles têm como base a prática da filantropia aliada a uma organização eficaz, que garanta que as doações, aportes e financiamentos cheguem ao seu devido fim e dure pelo tempo necessário ao funcionamento da instituição parceira. Dessa forma, para assegurar a eficácia de seus modelos, os fundos endowment “são geridos como os fundos de investimentos disponíveis no mercado financeiro”. De acordo com o  BNDES- Banco Nacional do Desenvolvimento, esse instrumento garante a previsibilidade e a continuidade dos recursos para a instituição beneficiada, conferindo estabilidade operacional à entidade e permitindo que ela se concentre em sua missão.

Fundamentação e arcabouço legal

O fundo endowment está intrinsecamente ligado à prática filantrópica, que não se resume à prática da caridade. Filantropia é uma filosofia com aderência em diversas partes do mundo e tem como objetivo oferecer à sociedade diferentes formas de bem-estar, de melhoria e de valorização cultural, que se perpetuem na forma de legado. Os fundos aqui tratados, portanto, têm neste vínculo com a posteridade a sua razão de existir, o que faz essencial a existência de um arcabouço legal que os ofereça seguridade jurídica e mecanismos atuais de captação de recursos, aliados à desburocratização para que esses recursos cheguem ao foco.

Em resposta a essa necessidade, no dia 4 de janeiro de 2019, por meio da Lei nº 13.800, regulamentou-se a constituição de fundos patrimoniais com o objetivo de arrecadar, gerir e destinar doações de pessoas físicas e jurídicas privadas para programas, projetos e demais finalidades de interesse público. Em resumo, trata-se da primeira lei com viés inteiramente voltada para os fundos endowment, em resposta à difusão do modelo no país.

Críticas e melhorias a serem feitas

Com uma legislação específica, os fundos endowment foram finalmente recepcionados no ordenamento jurídico brasileiro, um aceno do legislador em concordância e fomento ao modelo. No entanto, apesar da existência de lei específica para o assunto, alguns aspectos tributários ainda carecem de aprimoramento, em especial quando tratamos das diferenças entre instituições apoiadas e a gestora do fundo, que deve ser ocupada por entidades sem fins lucrativos, na forma de fundação ou associação privada.

Para a legislação atual, há responsabilidades distintas entre a organização gestora e a instituição apoiada, o que leva à conclusão de obrigações tributárias igualmente distintas entre ambos. Apesar dos esforços em prol dos fundos endowment, não há – ainda – uma imunidade e isenção tributária que atinja de maneira ampla as organizações que se dedicam à gestão patrimonial desses institutos, uma incongruência do ponto de vista finalístico, pois, embora tratem-se duas personalidades – o fundo e a instituição apoiada – ambas estão intrinsecamente vinculadas por um objetivo comum. Dessa forma, conforme destacado em artigo por Leonardo Lucci e Thaís dos Santos Barros, os rendimentos provenientes de aplicações financeiras em rendas fixas ou variáveis, recursos que podem integrar o endowment, por exemplo, não estão abrangidos pelos benefícios tributários desejados nesse tipo de operação filantrópica, e estão sujeitos à incidência de IRPJ e CSLL.

Se a realidade atual valoriza e busca o investimento privado no apoio maciço às esferas essenciais à vida humana, como saúde, cultura e educação, é importante que o legislador não pare na Lei nº 13.800/2019. Outros mecanismos de incentivo aos fundos endowment, como clareza em relação aos seus direitos e segurança jurídica que garanta sua atuação, são essenciais para o fortalecimento desse modelo, que traz em sua constituição o desejo e a real capacidade de mudar a sociedade para melhor.