Sócia Fabiana Fonseca comenta o fim do voto de qualidade no Carf e como isso impacta nas decisões pró-contribuintes

Em abril de 2020, por meio da Lei nº 13.988, extinguiu-se o chamado voto de qualidade dentro das decisões do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Existente desde o surgimento do órgão, o fim dessa deliberação foi judicializada por meio das Ações Diretas de Inconstitucionalidade nº 6.399 e 6.415, em que se debate a constitucionalidade da medida.

O julgamento da questão, embora não tenha sido finalizado no Supremo Tribunal Federal, já conta com maioria pela constitucionalidade do fim do “voto de desempate”. Até então, os ministros Marco Aurélio (aposentado), Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso, Luiz Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski votaram a favor da extinção.

A Lei nº 13.988/2020, que ratificou a extinção do voto de qualidade, estabeleceu que deve ter resultado favorável ao contribuinte todos os julgamentos administrativos que tenham terminado em empate, inaugurando uma nova e importante jurisprudência no Carf.

O que é o voto de qualidade

Instituído por força da Lei nº 11.941/2009, o voto de qualidade era uma prerrogativa dos cargos de presidente das Turmas da Câmara Superior de Recursos Fiscais, das câmaras, das suas turmas e das turmas especiais. Esses cargos, por sua vez, serão ocupados, segundo o art. 25, por conselheiros representantes da Fazenda Nacional, que exercerão o voto de qualidade em caso de empate. Os cargos de vice-presidente são ocupados por representantes dos contribuintes.

O voto de qualidade permitia aos conselheiros fazendários ter a última palavra sobre a procedência dos créditos tributários julgados pelo respectivo colegiado. As vagas mais altas das turmas do Carf, embora igualmente divididas entre representantes dos contribuintes e da Fazenda, somente são ocupadas por representantes da Receita Federal. Os votos dos presidentes, portanto, eram dotados de peso duplo.

Conforme destacado por Igor Mauler Santiago, em ausência de regulamentação expressa da matéria pela Constituição Federal – seja implícita ou explicitamente –, o legislador exerceu sua competência discricionária ao, primeiro, criar o voto de qualidade em favor do Fisco e, posteriormente, extingui-lo.

Efeitos do fim do voto de qualidade

Como efeito imediato após o fim do voto de qualidade, contribuintes passaram a vencer teses importantes no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). Conforme destacado por Arthur Gandini, em matéria publicada no portal Conjur, o órgão tem sofrido grandes transformações, tanto jurisprudenciais quanto na rotina de procedimentos. Carente apenas de formalização no Supremo Tribunal Federal, o fim do voto de desempate já surte efeitos práticos favoráveis aos contribuintes.

Dentre as novas jurisprudências ou reversões de antigas em favor dos contribuintes, está a não legalidade em se aplicar ao contribuinte o limite de 30% na compensação de prejuízos no caso de extinção da personalidade jurídica. Essa decisão de destaque foi resolvida na 1ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais.

Esse julgamento é emblemático porque, segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), foi o primeiro favorável à tese dos contribuintes por maioria de votos, “já que desde 2009 o tema vinha sendo decidido por meio de desempate”.

De acordo com conselheiros do Carf, o órgão apresentava um desequilíbrio pró-Fisco até instituição da mudança. Em relatório produzido pelo Instituto de Ensino e Pesquisa (Insper), entre 2017 e 2020, o valor médio dos créditos tributários mantidos ou extintos pelo Carf em julgamentos nos quais houve voto de qualidade foi de R$ 52,1 bilhões. Já no caso das decisões unânimes, a média foi de R$ 14,2 bilhões. Em 2020, após a Lei nº 13.988, que pôs fim ao voto de minerva dos conselheiros, a média foi de R$ 99,3 bilhões. As decisões unânimes envolveram, em média, R$ 7 bilhões.

Nova legislação

A Lei nº 13.988/2020 advém da conversão da Medida Provisória 899/2019, denominada MP do Contribuinte Legal. A norma acima instituiu o art. 19-E da Lei nº 10.522/2002, que deu fim ao voto de qualidade. Segundo a nova redação e conforme já mencionado, em caso de empate no julgamento do processo administrativo de determinação e exigência do crédito tributário, não se aplica o voto de qualidade, resolvendo-se sempre de forma favorável ao contribuinte.