Sócia Fabiana Fonseca comenta decisão que afastou penhora de ativos da Americanas S.A. e autorizou a companhia a apresentar apenas relação de bens em substituição

Em janeiro de 2023, o mercado varejista e de capitais foi surpreendido pela informação de inconsistências contábeis na companhia aberta Americanas S.A., com passivo somando valores atuais próximos de R$ 50,1 bilhões. Depois de uma série de revelações e movimentações procedimentais, a empresa ajuizou pedido de recuperação judicial, que foi homologado sob o nº 0803087-20.2023.8.19.0001.

À época, o escritório Carvalho e Fonseca publicou artigo analisando as decisões daquele momento, as medidas iniciais tomadas e os seus impactos. Confira o artigo Sócio William Carvalho comenta proteção judicial concedida à companhia Americanas clicando AQUI.

O breve contexto se faz necessário pois o juiz Paulo Assed Estefan, da 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro e responsável pela condução do processo de recuperação da empresa, adensou a importância do princípio de preservação da atividade econômica em uma relevante decisão. Em substituição à realização de penhora de ativos, o magistrado autorizou a companhia a apresentar, em juízo, uma lista de bens como garantias para a contemplação das execuções – especialmente as fiscais.

Contexto e fundamentos da decisão

O que chama a atenção na decisão ora discutida é a ênfase no objetivo de manutenção das atividades da empresa. Não por acaso, o magistrado responsável pelo caso acolheu o pedido e protegeu os ativos de penhora, em consonância com o argumento da recuperanda de que a utilização do fluxo de caixa para atendimento das garantias “traz prejuízos ao desenvolvimento da atividade empresarial e, por consequência, ao processo de soerguimento do Grupo Empresarial”. A recuperanda ainda deu como alternativa a disponibilidade de apenas alguns ativos, sob argumento de serem eles suficientes para as garantias, e solicitou a autorização para apresentação de uma relação de bens, com avaliação atualizada, em substituição à penhora.

Em interpretação do artigo 66 da Lei nº 11.101/2005, conhecida como Lei de Recuperação Judicial e Falências, o magistrado destacou que, embora o dispositivo proteja os bens e direitos de alienação ou oneração, a fim de garantir aos credores meios de pagamento, por muitas vezes a realização desses procedimentos é essencial para a recuperação da empresa. Sob essa lógica, o magistrado afastou a penhora a fim de que, para a continuidade da atividade, caso necessário, a Americanas S.A. onere/aliene bens unicamente com o intuito de dar prosseguimento às suas atividades e, por consequência, satisfazer o plano de recuperação judicial.

Ao embasar a decisão com respaldo no princípio de preservação da empresa, o juiz responsável pelo plano de recuperação das Americanas trouxe aos autos ensinamento do jurista Paulo Fernando Campos de Toledo, em que se explica que é basicamente intuitivo que ocorra à recuperação a necessidade de financiar as atividades básicas, como reforçar o caixa para pagar empregados e adquirir matéria-prima. Nesse contexto, continua o jurista, “é possível que o devedor precise abrir mão de algum bem para obter recursos”, algo impossibilitado caso o bem esteja gravado pelo poder judiciário.

Dessa forma, a alternativa encontrada pelo magistrado foi o deferimento do pedido da recuperanda, atestado os interesses da empresa em cumprir com os acordos firmados com os credores, e autorização da simples apresentação de bens como garantia. Para o magistrado, faz-se necessária essa medida e o impedimento da penhora, pois, além da circulação de ativos ser imprescindível para gerar recursos, a empresa também poderá obter certidões negativas que possibilitem, por exemplo, a restituição de créditos de PIS/COFINS (no caso da Americanas, estimados em R$ 97,6 milhões).

Princípio de preservação da empresa

A preservação da empresa e da atividade econômica é um dos fundamentos primordiais entabulados na Lei de Recuperação Judicial e Falências. Para o legislador, a satisfação dos credores deve caminhar em sincronia com a reestruturação da companhia – eixo segundo o qual se baseou a decisão do juiz Paulo Assed Estefan. Somando-se aos ensinamentos doutrinários, o magistrado trouxe ao corpo da decisão jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (Resp nº 1.819.057), em que a corte endossa a possibilidade de alienação/oneração de bens pela recuperanda, assegurando a não ocorrência de fraude com os mecanismos de fiscalização previstos na própria Lei de Recuperação Judicial e Falências, como o crivo do Administrador Judicial e a anuência do Poder Judiciário para realização da venda.

Em síntese, a decisão apresenta não uma inovação da leitura do artigo 66, mas uma reafirmação da primazia da preservação da atividade da empresa no processo de recuperação. Ao manifestar desejo pelo restabelecimento e submeter-se ao plano, que foi exaustivamente debatido e confeccionado com participação ativa dos credores, a empresa conta com a razoabilidade judicial para executar seus compromissos. Dessa forma, é imprescindível ao sucesso da recuperação que o Poder Judiciário dê à companhia, dentro dos limites legais, condições para que ela reúna recursos necessários à sua preservação e solvência. Por isso, afastou-se a penhora de ativos e autorizou-se a simples relação de bens como garantia para o futuro adimplemento das obrigações.