Sócio William Carvalho comenta alterações promovidas na legislação que trata das publicações das sociedades anônimas

Cercado de polêmicas, um dos dispositivos mais discutidos na redação original da Lei das Sociedades Anônimas (Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976) é o que obriga todas as sociedades por ações a realizarem as suas publicações em jornal de grande circulação no local da sede da companhia e em imprensa oficial.

No entanto, devido à onerosidade da obrigação e buscando fomentar a atividade empresarial, o executivo e o legislativo têm tentado implementar medidas que facilitem essa circulação de informações.

Alterações quanto às publicações físicas

Em 24 de abril de 2019 foi publicada a lei nº 13.818, que promoveu alterações significativas no artigo 289 da Lei das Sociedades Anônimas. Agora, as empresas submetidas à lei nº 6.404/76 passam a ter a prerrogativa de efetuar as publicações ordenadas pela norma apenas em jornal de grande circulação “editado na localidade em que esteja situada a sede da companhia”. De acordo com o inciso I, essa veiculação deverá ser feita de forma resumida e a íntegra dos documentos será disponibilizada na página da mesma mídia, na internet. Para que se confira a autenticidade dos documentos, a publicação deverá providenciar certificação digital, “emitida por autoridade certificadora credenciada no âmbito da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileiras (IPC-Brasil).

Além disso, o novo texto determina que, no caso das demonstrações financeiras, o teor resumido deverá conter, “no mínimo, em comparação com os dados do exercício social anterior, informações ou valores globais relativos a cada grupo e a respectiva classificação de contas ou registros”. De acordo com o inciso II, extratos das informações relevantes, contempladas nas notas explicativas e nos pareceres dos auditores independentes e do conselho fiscal, também devem ser colacionados (quando existirem).

Conforme salientado no início desse artigo, a lei nº 13.818/2019, apesar de desobrigar as empresas de publicarem seus documentos no Diário Oficial, não eximiu as companhias da publicação física – ou seja, não desagravou completamente as companhias dos gastos dispendidos para publicizar os documentos, mas certamente os reduziu consideravelmente. Por mais que a nova redação autorize a veiculação demonstrações resumidas, a atividade empresarial ainda se vê obrigada com uma despesa que não existiria caso o meio eletrônico se tornasse regra geral.

O texto alterando o artigo 289 entrou em vigor no dia 1º de janeiro de 2022.

Evolução da possibilidade de publicações eletrônicas

A digitalização dos documentos é uma realidade incontestável e cada vez mais abrangente. Em compasso com esses novos tempos, portanto, os poderes legislativos e executivo têm empreendido esforços para viabilizar as publicações eletrônicas, com ferramentas para blindá-las de fraudes. No entanto, a iniciativa ainda se mostra limitada a algumas searas, conforme demonstrado abaixo.

Em 2019, também por meio da lei nº 13.818, a redação do artigo 294 da Lei das S.A. foi alterada a fim de tornar mais flexíveis os requisitos para que as empresas pudessem aderir às publicações eletrônicas. A norma, que naquela ocasião só permitia as publicações eletrônicas às empresas esse com patrimônio líquido de até R$ 1 milhão e 10 sócios, foi então alterada para abranger as empresas com patrimônio líquido de até R$ 10 milhões e 20 acionistas.

Ainda nessa esteira, em 1 de junho de 2021 a Lei Complementar nº 182, conhecida como Marco Civil das Startups, novamente alterou o artigo 294 da Lei das S.A., dessa vez com uma alteração substancial. Segundo o legislador, o teto da categoria que se enquadraria como isenta da exigência de publicações no Diário Oficial seria elevado para R$ 78 milhões. Dessa forma, companhias fechadas com receita bruta anual até esse valor poderiam, a partir de então, realizar publicações eletrônicas, em substituição à obrigatoriedade em jornal de grande circulação na sede da companhia.

Regulamentação e efeitos da publicação eletrônica

Com a abrangência das publicações eletrônicas, o legislador manifestou sua intenção de desburocratizar o ambiente de negócios e adequou a norma com uma contemporaneidade cada vez mais digital.

O poder legislativo delegou ao executivo a regulamentação dos meios pelos quais as empresas fariam suas publicações eletrônicas. Dessa forma, em portaria de nº 12.071, datada de 13 de outubro de 2021, o Ministério da Economia definiu que as publicações abarcadas pelo artigo 294 da Lei das S.A. poderão ser realizados via SPED (Sistema Público de Escrituração Digital), na Central de Balanços, e nos respectivos endereços eletrônicos das companhias. Essa inovação desonera significativamente as empresas enquadradas nos critérios da lei, afinal o SPED é um canal que não exige custos adicionais para a exibição dos documentos das empresas. Na portaria o executivo ainda ressaltou isenção de custos para as publicações eletrônicas, devendo elas serem validadas por meio da assinatura eletrônica da empresa envolvida. O certificado digital que viabiliza essa lavratura, aliás, é o que garante a autenticidade do documento, conforme ressalta a norma.

O SPED é um ambiente eletrônico vinculado à Receita Federal do Brasil e reúne, dentre outros dados, o envio de obrigações de natureza fiscal e contábil das companhias. O sistema tem como característica reduzir custos e agilizar processos, fomentando, assim, o ambiente de negócios no país.

Discussão nos tribunais e vigência das novas regras

A não obrigatoriedade da publicação de demonstrações nos meios convencionais (Diário Oficial e jornal de grande circulação), abarcada pelo Marco Legal das Startups, já chegou às instâncias superiores. Enquanto os tribunais constroem novas jurisprudências a esse respeito, o Supremo Tribunal Federal pode analisar a constitucionalidade do dispositivo que isenta companhias fechadas de receita bruta anual de até R$ 78 milhões de realizarem esse expediente, substituindo-o pela possibilidade de publicações eletrônicas, via SPED.

No entanto, até que seja analisada, a lei em discussão continua produzindo seus efeitos, estando ela em vigor. O Tribunal superior, portanto, pode encerrar seus efeitos apenas após o julgamento do caso ou na hipótese de decisão liminar que assim o determine. Como, até então, não é o que ocorre, as companhias estão autorizadas a realizarem os demonstrativos por meio digital, inclusive para fins de apresentá-los aos sócios na assembleia geral ordinária a ser realizada até dia 30 de abril.

No que tange ao novo teor do artigo 289 da Lei de Sociedades Anônimas, as companhias podem se utilizar da publicação eletrônica somente sob o fulcro de sua autenticidade estar garantida pelo complexo sistema criptográfico da assinatura eletrônica. Há ainda a possibilidade de se pleitear a isonomia empresarial, tendo em vista a autorização da publicação eletrônica somente contemplar os grupos acima citados.

O ponto crucial é modernizar a atividade empresarial brasileira e fazê-la caminhar no passo das inovações tecnológicas. Isso excluirá despesas e universalizará, cada vez mais, o acesso aos demonstrativos.