Liberação de penhora antes da recuperação judicial: fundamentação aplicada ao caso concreto

Conforme já demonstrado na matéria Recuperação judicial – caso Odebrecht, este instituto procura dar condições às empresas em crise para superarem as dificuldades econômico-financeiras nas quais elas se envolveram. Nesse sentido, a recuperação judicial consubstancia-se em um plano minucioso apresentado aos credores – e sujeito à aprovação dos mesmos. O plano é supervisionado pelo magistrado, que estará responsável pela verificação dos requisitos legais dispostos na legislação.

É fato, porém, que a busca pela reestruturação financeira, ratificada no plano, é precedida por um momento de extrema desaceleração da atividade. Em outras palavras, até que se opte pela recuperação judicial, a companhia passou por inúmeros percalços, como perdas no quadro de funcionários, além de abalo na reputação ante aos concorrentes e penhoras de patrimônios e ativos para pagamento de dívidas.

Ao ser deferido o procedimento de recuperação, a empresa encontra-se apta a continuar atuando, tendo como prioridade a satisfação dos credores que anuíram com o planejamento apresentado. Entretanto, em muitos casos o quadro crítico pregresso retira o fôlego das companhias para darem esse passo inicial rumo à reestruturação, razão pela qual a decisão proferida pela 4ªVara Empresarial do Rio de Janeiro, e recentemente chancelada pelo Superior Tribunal de Justiça, é de suma importância para que se entenda a importância da liberação de bens penhorados na concretização da recuperação judicial.

Pedido liminar e conflito de competência

No caso concreto ora analisado, trata-se de empresa que ajuizou pedido de recuperação judicial acompanhado de liminar para aderir ao parcelamento oferecido pelo Fisco, com pedido para que os bens constritos fossem colocados à disposição da companhia. Nessa situação específica, cabe destacar que a companhia havia sofrido com a retenção de todo o seu estoque de matéria-prima, em função de dívidas tributárias.

O pedido de tutela baseou-se na Lei nº 13.043/2014, que autoriza o pagamento de dívidas dessa natureza em até 84 parcelas.

Diante do deferimento do pedido, o magistrado responsável pela recuperação emitiu ofício à 3ª Vara de Execuções Fiscais da Justiça Federal, onde corre o processo da Fazenda Nacional contra a empresa devedora. Diante do conflito, o caso foi levado ao Superior Tribunal de Justiça, que decidiu não caber à Justiça Federal, mas sim ao juiz que trata da recuperação judicial definir sobre os atos de constrição e expropriação de bens do patrimônio da empresa.

Importância do patrimônio desobstruído na recuperação

De acordo com o jornal Valor Econômico, por meio da advogada Laura Bumachar, há uma tendência de que bens essenciais para a empresa cumprir o seu plano só podem ser constritos ou alienados com autorização do juiz da recuperação judicial. Nesse sentido, o STJ construiu uma vasta jurisprudência acerca do assunto, ainda que o Fisco goze de prioridades para reaver o crédito.

Julio Mandel, sócio do escritório Mandel Advocacia, e citado pelo Valor, ressalta que a situação do Fisco é, de fato, diferente da dos demais credores porque as dívidas tributárias não se sujeitam ao processo. Apesar disso, o objetivo da Lei de Recuperação Judicial e Falências é reerguer a empresa e não garantir a satisfação dos créditos, razão pela qual cabe ao magistrado que conduz a recuperação ponderar o peso das medidas constritivas sobre os bens demandados pelos credores. Nessa linha, conforme destaca Bumachar, o bloqueio de um bem essencial pode inviabilizar todo o plano e a consequente incapacidade da companhia que busca se reabilitar no mercado.

Dessa forma, importante destacar que a liberação da penhora deferida pela 4ª Vara Empresarial do Rio de Janeiro segue a tendência jurisprudencial traçada pela corte superiora. Não obstante, dirimido o conflito de competência e estabelecido ser o juiz responsável pela recuperação autoridade para decidir sobre a constrição de bens, o raciocínio jurídico do magistrado seguiu o princípio basilar da Lei nº 11.101/2005, qual seja, de viabilizar a reestruturação da empresa em crise. Para tanto, a decisão monocrática concedeu à empresa acesso aos bens essenciais para adimplir com o plano firmado entre ela e os credores, bem como recuperar-se no mercado com saúde financeira.