Covid-19 e o impacto nas companhias abertas – Segunda parte

Na primeira matéria sobre  Covid-19 e o impacto nas companhias abertas, foi abordado um panorama geral do vasto campo legislativo que se criou desde o reconhecimento do estado de pandemia provocada pelo novo coronavírus. Em um apanhado, destacou-se as primeiras normas a versarem sobre o assunto, para, posteriormente, esclarecer os pontos mais específicos da legislação, quais sejam: Ofício circular CVM e a regulamentação sobre publicização dos riscos; Atuação diligente dos Conselhos de Administração; Assembleias digitais; O funcionamento das juntas comerciais e os novos prazos.

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Neste segundo texto, seguiremos a análise acerca de como a Covid-19 traz significativos impactos regulatórios sobre o mercado de capitais, quais as remodelações mais relevantes aos acionistas e investidores, além de um destaque aos desdobramentos proporcionados pelas alterações na política de distribuição de resultados.

Demonstrações financeiras

 Reitera-se, nesse tópico, a enfática recomendação da CVM acerca da obrigatoriedade de as companhias reportarem os riscos e impactos da pandemia em suas demonstrações financeiras. Já abordado em tópico anterior, esse tema é aqui retomado apenas para que se tenha dimensão do destaque dado pela Comissão à transparência da situação das empresas.

Nesse sentido, o Ofício Circular CVM/SNC/SEP n 03/2020, com intuito de aumentar o grau de credibilidade das companhias, determinou a identificação do aumento significativo do risco de crédito respectivo. Em um contexto que busca provisão para perdas esperadas de um ativo financeiro, a Comissão de Valores Mobiliários determina às companhias que avaliem todas as circunstâncias, distinguindo com acuidade se houve aumento significativo no risco de crédito ou restrição temporária de liquidez. Assim, de acordo com o professor Alexei Bonami, as projeções do início do ano, quando ainda não incluíam no cálculo o cenário atual, devem ser revisitadas.

Distribuição de resultados e pagamento de dividendos

Diante da prorrogação do prazo para a realização de assembleias gerais ordinárias, inclusive com as adaptações para que elas ocorram de modo digital ou híbrido, a revisão das propostas de distribuição de resultados não pode ser desconsiderada.

Não se pode esquecer que, no novo panorama, os administradores – responsáveis por essa função – devem realizar nova análise caso a caso das propostas, posto que o cenário que acometeu as companhias e a realidade econômica que se avizinha era inimaginável há meses. Assim, as antigas propostas de distribuição de resultados feitas no momento em que a companhia ainda não conhecia a nova realidade que se apresenta pode não ser correspondente à atual situação operacional e financeira.

Optando, então, as companhias, pela readequação de seus modelos aos impactos da Covid-19, figura como alternativa autorizada pela CVM a utilização do orçamento de capital para a discussão da retenção de lucros até o limite do dividendo mínimo obrigatório. Além disso, há que se considerar a possibilidade de suspensão do dividendo obrigatório, em casos específicos, sendo os lucros não distribuídos registrados em reserva especial e pagos uma vez que a situação da companhia assim o permita, caso não sejam eles absorvidos por prejuízos nos exercícios seguintes. Por fim, pode-se considerar a constituição de uma reserva de contingência para compensar a redução do lucro decorrente de perda julgada provável no exercício futuro, desde que o valor possa ser estimado no momento atual.

Ante às possibilidades acima elencadas, há de se resgatar a Lei das S.A., que prevê a possibilidade de o dividendo obrigatório ainda não declarado poder ser suspenso e deixar de ser distribuído, desde que os órgãos de administração informem sua incompatibilidade à assembleia geral ordinária. Tal situação, obviamente, pode decorrer da incompatibilidade entre o pagamento do dividendo e a situação financeira da companhia, o que pode ocorrer frente a eventual cenário de calamidade econômica provocado pelo novo coronavírus.

Essa tomada de decisão envolve o conselho fiscal que, uma vez em funcionamento, dará parecer sobre a alteração na proposta inicial de pagamento, e os administradores encaminharão a deliberação à CVM.

Destaca-se ainda que, excetuando-se eventuais dividendos intermediários (que dependem da previsão estatutária ou legal, balanço específico e podem ser declarados pelos órgãos de administração), o balanço que suporta a declaração e o pagamento de dividendos, por ser feito contra reservas de lucros das companhias, devendo sempre ser aprovado pela assembleia geral.

Necessário ainda atentar-se ao rigor documental com o qual alterações nesta política devem ser conduzidas. Todos os atos que modifiquem a política distribuição de resultados devem passar pelos respectivos e responsáveis núcleos dentro da companhia e necessariamente comunicados à comissão controladora.

Em terceira parte sobre a série Covid-19 e os impactos nas companhias abertas serão abordados novos pontos que influam nas projeções das empresas, além da forma como os parâmetros de governança se reordenam dentro da realidade trazida pela pandemia.